segunda-feira, 10 de maio de 2010

''Os melhores anos da minha vida''. Entrevista com o cardeal Carlo Maria Martini


Nesta entrevista, o cardeal Carlo Maria Martini fala sobre as suas lembranças dos tempos do Concílio Vaticano II e os seus efeitos na Igreja de hoje.
A conversa foi publicada originalmente no apêndice ao livro "Difendere il Concilio", de A.M. Valli e L. Bettazzi (Ed. San Paolo, 2008), tendo sido republicada no sítio Viva il Concilio (www.vivailconcilio.it). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.
Eminência, qual é a sua lembrança dos anos do Concílio?
Guardo principalmente a lembrança da atmosfera daqueles anos, uma sensação de entusiasmo, de alegria e de abertura que nos invadia. Durante o Concílio, passei os melhores anos da minha vida, não só e nem tanto porque eu tinha menos de 40 anos, mas porque finalmente se saía de uma atmosfera que tinha um pouco de cheiro de mofo, viciada, e se abriam portas e janelas, circulava o ar puro, olhava-se para o diálogo com tantas outras realidades, e a Igreja parecia ser verdadeiramente capaz de enfrentar o mundo moderno. Tudo isso, repito, nos dava uma grande alegria e uma forte carga de entusiasmo.

Segundo o senhor, o que permanece hoje daqueles anos?
Permaneceram muitas coisas. Antes de tudo, é preciso dizer que aqueles que os viveram deram um passo importantíssimo nas suas vidas, porque receberam do Concílio uma confiança renovada nas possibilidades da Igreja de falar a todos. Depois, permanecem muitos elementos contidos nos vários documentos conciliares: penso na liturgia, no ecumenismo, no diálogo com as outras fés, na reflexão sobre a Escritura. Para a nossa Igreja, uma grande riqueza que mantém intacta toda a sua atualidade e todo o seu valor.

E, na sua opinião, o que se perdeu?
Não é fácil responder. Houve certamente um pouco de desvios, mas principalmente no exterior, na aqui entre nós, na Itália. Diria que o que se perdeu é justamente aquele entusiasmo, aquela confiança da qual falava, aquela capacidade de sonhar que o Concílio havia comunicado à nossa Igreja e que nos provocou tanta alegria. Voltamos um pouco às águas rasas, a uma certa mediocridade.

Alguns dizem que o Concílio foi marcado pelo contraste claro entre uma maioria progressista, chamemo-la assim, de bispos e teólogos, e a Cúria Romana que remava contra. O senhor compartilha dessa reconstrução?
Sim, penso que, com efeito, houve essa contraposição. Não se pode negar que, em certos setores da Cúria, havia uma força frenante. Mas isso é compreensível, porque a Cúria estava acostumada a fazer todos os decretos, a manter tudo nas mãos, e por isso pode-se entender bem que, para os curiais, ver esse controle fugir das mãos não foi agradável.

Eminência, qual é o personagem do Concílio que o senhor mais lembra?
Na verdade, há muitos. Gosto de me lembrar de Dom Helder Câmara, o arcebispo e teólogo brasileiro, falecido em 1999. Estou lendo justamente neste período as cartas que ele endereçava aos seus amigos no Brasil, escrevendo-lhes todas as noites às duas horas ("H. Camara, Roma, due del mattino. Lettere dal Concilio Vaticano II", editado por S. Biondo, Ed. San Paolo, 2008). Uma grande figura! E depois me lembro do cardeal belga Leo Jozef Suenens, o arcebispo de Malines-Bruxelas, que defendeu algumas teses muitos corajosas. Entre as pessoas que não participaram diretamente dos trabalhos do Concílio, mas que estiveram muito próximas daquela atmosfera de renovação, me lembro do padre jesuíta Stanislas Lyonnet, grande estudioso de São Paulo, que ensinava no Pontifício Instituto Bíblico e que tinha muitos contatos com os padres conciliares. Devo dizer que foi um tempo de grandes amizades alimentadas por um fortíssimo desejo de conhecimento.

E hoje um Concílio Vaticano III seria útil para a Igreja?
Não é fácil responder. Há prós e contras. A meu ver, certamente seria útil à Igreja fazer um Concílio a cada tanto para comparar as diversas linguagens. Eu sinto essa necessidade porque me parece que existe justamente uma dificuldade em se entender. Mas não acredito que deveria haver um Concílio como o Vaticano II, isto é, dedicado a todos os problemas da Igreja e das suas relações com o mundo. No centro de um eventual novo Concílio seria preciso colocar apenas um ou dois temas e depois, uma vez examinados e exauridos estes, convocar um outro Concílio depois de 10, 15 ano, centrando-o em poucas questões. Sim, penso que essa deveria ser a linha a se seguir.

E o senhor, que deu vida em Milão à Cátedra dos não crentes, pensa que se poderia pensar em um Concílio aberto a quem não crê, aos mais distantes, para lançar uma mensagem também a eles?
Não vejo um Concílio desse tipo. Porém, é certo que, quando um Concílio fala, ele fala também aos não crentes. Porque a preocupação do Concílio, de todo Concílio que seja verdadeiramente isso, deve ser a de se fazer entender e, portanto, de chegar verdadeiramente a todos, não só aos católicos. No Concílio Vaticano II, essa preocupação esteve bem presente e é um outro motivo pelo qual eu o lembro com alegria e gratidão.

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