quarta-feira, 23 de março de 2011

Um texto para os nossos dias...


Leonardo Boff
Teólogo, filósofo e escritor
Adital
Três cenas aterradoras: o terremoto no Japão, seguido de um devastador tsunami, o vazamento deletério de gases radioativos de usinas nucleares afetadas e os deslizamentos destruidores, ocorridos nas cidades serranas do Rio de Janeiro, provocaram em nós, com certeza, duas atitudes: compaixão e solidariedade.
Primeiro, irrompe a com-paixão. A compaixão talvez seja, entre as virtudes humanas, a mais humana de todas, porque não só nos abre ao outro, como expressão de amor dolorido, mas ao outro mais vitimado e mortificado. Pouco importam a ideologia, a religião, o status social e cultural das pessoa. A compaixão anula estas diferenças e faz estender as mãos às vitimas. Ficarmos cinicamente indiferentes, mostra suprema desumanidade que nos transforma em inimigos de nossa própria humanidade. Diante da desgraça do outro não há como não sermos os samaritanos compassivos da parábola bíblica.

A com-paixão implica assumir a paixão do outro. É transladar-se ao lugar do outro para estar junto dele, para sofrer com ele, para chorar com ele, para sentir com ele o coração despedaçado. Talvez não tenhamos nada a lhe dar e até as palavras nos morram na garganta. Mas o importante é estar aí junto dele e jamais permitir que sofra sozinho. Mesmo que estejamos a milhares de quilômetros de distancia de nossos irmãos e irmãs japoneses ou perto de nossos vizinhos das cidades serranas cariocas, o padecimento deles é o nosso padecimento, o seu desespero é o nosso desespero, os gritos lancinantes que lançam ao céu, perguntando, "por que, meu Deus, por que?” são nossos gritos lancinantes. E partilhamos da mesma dor de não recebermos nenhuma explicação razoável. E mesmo que existisse, ela não desfaria a devastação, não reergueria as casas destruídas nem ressuscitaria os entes queridos mortos, especialmente as crianças inocentes.
A compaixão tem algo de singular: ela não exige nenhuma reflexão prévia, nem argumento que a fundamente. Ela simplesmente se nos impõe porque somos essencialmente seres com-passivos. A compaixão refuta por si mesma noção do biólogo Richard Dawkins do "gene egoísta”. Ou o pressuposto de Charles Darwin de que a competição e o triunfo do mais forte regeriam a dinâmica da evolução. Ao contrário, não existem genes solitários, mas todos são inter-retro-conectados e nós humanos somos enredados em teias incontáveis de relações que nos fazem seres de cooperação e de solidariedade.

Mais e mais cientistas vindos da mecânica quântica, da astrofísica e da bioantropologia sustentam a tese de que a lei suprema do processo cosmogênico é o entrelaçamento de todos com todos e não a competição que exclui. O sutil equilíbrio da Terra, tido como um superorganismo que se autorregula, requer a cooperação de um sem número de fatores que interagem entre si, com as energias do universo, com a atmosfera, com a biosfera e com próprio o sistema-Terra. Esta cooperação é responsável por seu equilíbrio, agora perturbado pela excessiva pressão que a nossa sociedade consumista e esbanjadora faz sobre todos os ecossistemas e que se manifesta pela crise ecológica generalizada.
Na compaixão se dá o encontro de todas as religiões, do Oriente e do Ocidente, de todas éticas, de todas as filosofias e de todas as culturas. No centro está a dignidade e a autoridade dos que sofrem, provocando em nós a compaixãoativa.

A segunda atitude, afim à compaixão, é a solidariedade. Ela obedece à mesma lógica da compaixão. Vamos ao encontro do outro para salvar-lhe a vida, trazer-lhe água, alimentos, agasalho e especialmente o calor humano. Sabemos pela antropogênese que nos fizemos humanos quando superamos a fase da busca individual dos meios de subsistência e começamos a buscá-los coletivamente e a distribuí-los cooperativamente entre todos. O que nos humanizou ontem, nos humanizará ainda hoje. Por isso é tão comovedor assistir como tantos e tantas se mobilizam, de todas as partes, para ajudar as vítimas e pela solidariedade dar-lhes o que precisam e sobretudo a esperança de que, apesar da desgraça, ainda vale a pena viver.

sábado, 12 de março de 2011

Paul McCartney faz campanha por 'segunda-feira sem carne'


O ex-beatle Paul McCartney está liderando uma campanha para convencer a população a não comer carne uma vez por semana, com o objetivo de ajudar no combate ao aquecimento global.

Músicos, atores, cozinheiros famosos e celebridades - assim como as duas filhas de McCartney, Stella e Mary - também participam do movimento, batizado de Meat Free Monday ("Segunda-Feira Sem Carne", em tradução literal).

Para demonstrar seu apoio, chefs de conhecidos restaurantes da capital britânica passarão a oferecer cardápios vegetarianos opcionais às segundas-feiras. E autores de livros de culinária criaram receitas vegetarianas especias para o site da campanha.

"Temos de nos preocupar com a mudança climática porque, caso contrário, vamos deixar nossos filhos e os filhos deles em uma situação muito complicada", disse Paul McCartney ao jornal britânico The Independent.

A família McCartney conta com o apoio não apenas de gente ligada ao mundo do showbusiness, mas também de especialistas dos campos da ciência, dos negócios e do meio ambiente.

O cantor britânico Chris Martin, o ator americano Kevin Spacey e o empresário britânico Richard Branson estão entre eles.

O site da campanha Meat Free Monday cita dados da entidade de pesquisas climáticas Climate Research Network, segundo os quais a produção de alimentos seria responsável por entre 20% e 30% das emissões dos gases que provocam o aquecimento do planeta. A criação de animais seria responsável por metade dessas emissões.

Segundo estatísticas incluídas no site, entre 1961 e 2007, o consumo de carne no mundo quadruplicou e o consumo de frango aumentou dez vezes.

Em sua entrevista ao Independent, McCartney - famoso por seu vegetarianismo - admite que, às vezes, em meio a tantos conselhos, pode ser difícil saber como contribuir para um mundo mais limpo, mais sustentável e mais saudável. "Optar por um dia sem carne por semana é uma mudança significativa que todos podem fazer, e que vai até o centro de várias questões políticas, ambientais e éticas, tudo ao mesmo tempo", afirma o ex-beatle. A família McCartney reuniu cerca de 40 celebridades - incluindo a cantora Kelly Osbourne, o cantor Mobi e a viúva de John Lennon, Yoko Ono - para um evento de lançamento da campanha Meat Free Monday na tarde desta segunda-feira, em um hotel no centro de Londres.

A ideia de McCartney e seus amigos não é nova. Em maio, a prefeitura da cidade belga de Ghent lançou uma campanha para tentar convencer seus cidadãos a abrir mão do consumo de carne pelo menos um dia por semana.

A campanha do ex-beatle e das autoridades belgas é uma reação a um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo o documento, a criação de animais gera mais gases responsáveis pelo efeito estufa do que o setor de transportes. Plantão | Publicada em 15/06/2009 às 17h41m
Para mais notícias, visite o site da BBC Brasil

Manifesto dos teólogos alemães, suíços e austríacos

Teólogos alemães, suíços e austríacos publicaram, no dia 03-02-2011, no jornal alemão Süddeutsche Zeitung, um manifesto que teve ampla repercussão na imprensa mundial.

Igreja 2011: uma virada necessária
Passou-se quase um ano desde que foram tornados públicos casos de abusos sexuais com crianças e adolescentes da parte de padres no colégio Canisius de Berlim. Seguiu-se um ano que lançou a Igreja católica na Alemanha numa crise sem precedentes. A imagem que hoje aparece é ambivalente: começou-se a fazer muito para garantir justiça às vítimas, enfrentar a injustiça e descobrir as causas dos abusos, a dissimulação e a dupla moral nas próprias fileiras. Em muitos cristãos e cristãs responsáveis, com ou sem encargos, após a perturbação inicial cresceu a convicção de que são necessárias profundas reformas. O apelo a um diálogo aberto sobre as estruturas de poder e de comunicação, sobre a forma do ministério eclesial e a participação responsável dos fiéis, sobre a moral e sobre a sexualidade despertou expectativas, mas também temores: joga-se fora uma oportunidade, talvez a última, de superação da paralisia e da resignação, evitando enfrentar os problemas ou subvalorizando a crise? A preocupação por um diálogo aberto sem tabus, não é para todos suspeito, e em particular não o é, se é iminente uma visita do papa. Mas, a alternativa seria um silêncio sepulcral, porque as últimas esperanças têm sido destruídas e simplesmente não pode ser assim.
A profunda crise da nossa Igreja exige discutir também sobre aqueles problemas que à primeira vista não têm relação direta com o escândalo dos abusos e com sua plurianual cobertura. Como professores e professoras de teologia não podemos mais calar. Sentimos a responsabilidade de contribuir para um autêntico novo início: 2011 deve tornar-se um ano de virada e reconversão para a Igreja. No ano passado tantos cristãos, o que jamais ocorrera antes, deixaram a Igreja católica e apresentaram à autoridade da Igreja a desistência de sua pertença ou privatizaram sua vida de fé para defendê-la da instituição. A Igreja deve entender estes sinais, para sair ela mesma de certas estruturas fossilizadas e para reconquistar nova força vital e credibilidade.
Não se conseguirá promover a renovação das estruturas eclesiais num angustiado isolamento da sociedade, mas somente com a coragem da autocrítica e com a acolhida de impulsos críticos – também do exterior. Isto faz parte das lições do último ano: a crise dos abusos não teria sido reelaborada de modo tão decidido sem o acompanhamento crítico desenvolvido pela opinião pública. Somente através de uma comunicação aberta a Igreja pode reconquistar confiança. Somente se a imagem que a Igreja tem de si e a imagem de Igreja que os outros têm dela não divergirem, ela terá credibilidade. Dirigimo-nos a todos aqueles que ainda não renunciaram a esperar por um novo início na Igreja e se empenham neste sentido. Assumimos como nossos também os sinais de virada e de diálogo que alguns bispos propuseram nestes últimos meses em discursos, pregações e entrevistas.
A Igreja não é um fim em si mesma. Ela tem a missão de anunciar a todos os homens o Deus de Jesus Cristo que liberta e que ama. Ela só pode fazê-lo se ela própria for um lugar de um testemunho fidedigno do anúncio de liberdade do Evangelho. Seu falar e seu agir, suas regras e suas estruturas – toda a sua relação com os homens no interior e no exterior da Igreja – derivam da exigência de reconhecer e favorecer a liberdade dos humanos enquanto criaturas de Deus. Absoluto respeito de cada pessoa humana, atenção à liberdade de consciência, empenho pelo direito e pela justiça, solidariedade com os pobres e os oprimidos: são estes os parâmetros teológicos fundamentais, que derivam do empenho da Igreja pelo Evangelho. Deste modo se concretiza o amor a Deus e ao próximo.
A orientação para o anúncio público de liberdade implica uma relação diferenciada perante a sociedade moderna: de certo ponto de vista, ela é mais profunda em relação à Igreja, quando se trata do reconhecimento de liberdade, de maturidade e de responsabilidade; nisto a Igreja pode aprender, como já o sublinhara o Concílio Vaticano II. Sob outro ponto de vista, é inelutável a crítica que deriva do espírito evangélico perante esta sociedade, por exemplo, quando as pessoas são julgadas somente segundo suas prestações, quando a solidariedade recíproca for espezinhada ou quando a dignidade dos seres humanos não for reconhecida.
No entanto, vale em todo o caso o que segue: o anúncio de liberdade do Evangelho constitui o parâmetro para uma Igreja fidedigna, para seu agir e sua imagem social. Os desafios concretos com que a Igreja deve confrontar-se não são, de fato, novos. E, no entanto, não são visíveis reformas que considerem o futuro. É necessário levar em frente um diálogo aberto sobre isto nos seguintes âmbitos de problematicidade:
1.- Estruturas de participação: em todos os campos da vida eclesial a participação dos fiéis é a pedra de toque para a credibilidade do anúncio de liberdade do Evangelho. Conforme o antigo princípio jurídico: “O que diz respeito a todos, deve ser decidido por todos” são indispensáveis mais estruturas sinodais em todos os níveis da Igreja. Os fiéis devem ser tornados participantes na escolha de importantes “representantes oficiais” (bispos, párocos). O que pode ser decidido localmente deve ali ser decidido, e as decisões devem ser transparentes.
2.- Comunidades: as comunidades cristãs devem ser lugares nos quais as pessoas compartilhem bens espirituais e materiais. Mas, atualmente a vida comunitária está em declínio. Sob a pressão da falta de padres são construídas unidades administrativas sempre maiores – “paróquias extra-amplas” -, nas quais quase não podem ser vivenciadas a vizinhança e a pertença. É posto fim a identidades históricas e a redes sociais particularmente significativas. Os padres são “queimados” [pelo excesso de tarefas] e acabam se exaurindo. Os fiéis permanecem distantes se não lhes for dada a confiança de assumirem uma corresponsabilidade e de sentirem-se partícipes em estruturas democráticas na direção de suas comunidades. O ministério eclesial deve servir à vida de suas comunidades – e não o contrário. A Igreja também necessita de padres casados e de mulheres em serviço eclesial.
3.- Cultura do direito: o reconhecimento de dignidade e liberdade de todo ser humano mostra-se precisamente quando os conflitos são enfrentados de modo equânime e com respeito recíproco. O direito eclesial só merece este nome se os fiéis puderem fazer valer efetivamente os seus direitos. A defesa do direito e a cultura do direito na Igreja devem ser urgentemente melhoradas; e um primeiro passo nesta direção é a criação de uma jurisdição administrativa eclesial.
4.- Liberdade de consciência. Respeito pela consciência individual significa confiar na capacidade de decisão e de responsabilidade das pessoas. Favorecer e desenvolver esta capacidade é também tarefa da Igreja – mas, não deve transformar-se em personalismo. Reconhecer seriamente a liberdade de consciência é algo que tem a ver com o âmbito das decisões pessoais sobre a vida e o das formas de vida individual. A alta consideração da Igreja pelo matrimônio e pela forma de vida sem matrimônio está fora de discussão. Mas, ela não impõe que se excluam as pessoas que vivem responsavelmente o amor, a fidelidade e o cuidado recíproco numa união homossexual, ou como divorciados redesposados.
5.- Reconciliação: a solidariedade com os pecadores pressupõe que se leve a sério o pecado no próprio interior. Um pretensioso rigorismo moral não é adequado à Igreja. A Igreja não pode pregar reconciliação com Deus sem procurar ela própria no seu agir os pressupostos para a reconciliação com aqueles em relação aos quais se tornou culpada por violência, por violação do direito, pela inversão do anúncio bíblico de liberdade, numa moral rigorosa privada de misericórdia.
6.- Celebração: a liturgia viva da participação ativa de todos os fiéis. Nela devem encontrar espaço as experiências e as formas atuais de expressão. A celebração não deve enrijecer-se num tradicionalismo. A multiplicidade cultural enriquece a vida litúrgica e não pode conciliar-se com as tendências por uma unificação centralista. Somente quando a celebração da fé acolher situações concretas de vida o anúncio da Igreja atingirá as pessoas.
O processo de diálogo eclesial iniciado só pode conduzir à libertação e à mudança se todas as partes envolvidas estiveram prontas para enfrentar os problemas impulsores. Trata-se de procurar, numa livre e equânime mudança de argumentações, as soluções que conduzam a Igreja para fora de sua paralisante auto-referencialidade. À tempestade do ano passado não pode seguir nenhuma paz! Na atual situação ela só poderia ser uma paz sepulcral. O medo jamais foi bom conselheiro em tempos de crise. Cristãos e cristãs, sejamos exortados pelo Evangelho a olhar com coragem para o futuro e – movidos pela palavra de Jesus – a caminhar como Pedro sobre as águas: “Por que tendes medo? É tão pequena a vossa fé?”
Os subscritores (143 até 3 de fevereiro):

terça-feira, 8 de março de 2011

Entrevista com Rose Marie Muraro


PIONEIRA DO FEMINISMO NO BRASIL DIZ QUE FALTA CONQUISTAR IGUALDADE DE SALÁRIO ENTRE HOMENS E MULHERES; PARA ELA, MOVIMENTO HOJE É MAIS SILENCIOSO, MAS MAIS PROFUNDO

ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

Rose Marie Muraro não para. Aos 80 anos, quase cega e numa cadeira de rodas, ela diz que está muito bem. "Tenho feito de tudo. Escrevo enlouquecidamente."
Seu 36º livro vai se chamar "Um Mundo ao Alcance de Todos". Patrona do feminismo brasileiro, cinco filhos, 12 netos, ela estudou física e economia, mas se notabilizou por levantar a questão feminina e ser uma voz impertinente contra a ditadura. Na sua autodefinição, ela é "porra-louca e pré-arcaica".
Defende hoje o microcrédito e as feiras de trocas.
Nesta entrevista, concedida ontem por telefone a propósito do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, ela fala de seus projetos atuais e dos rumos do movimento feminista, que hoje acredita ser mais profundo.
Mas que ainda precisa conseguir "o mais importante": igualdade de salários entre homens e mulheres.


Folha - Qual o significado do 8 de Março nos dias de hoje? Rose Marie Muraro - Agora temos uma mulher presidente da República. Houve um grande avanço na participação da mulher nas estruturas.
Haverá muitas mudanças porque há muitas diferenças entre o homem e a mulher. As Nações Unidas fizeram uma pesquisa em 121 países e descobriram que com mulheres no poder cai o nível de corrupção. O homem pensa primeiro nele e depois nos outros, daí sai a corrupção. A mulher pensa primeiro nos outros depois nela.

Como a sra. define o feminismo hoje? O movimento, que teve importância nos anos 1960, 1970, hoje parece mais enfraquecido.Ao contrário. Ele está na Presidência da República. Isto me irrita: achar que o feminino é mais fraco porque é menos barulhento.
Ao contrário, está muitíssimo mais forte. Saiu a Lei Maria da Penha, que diminuiu a violência doméstica, que é a primeira violência que a criança vê. É a raiz de todas as outras violências, das guerras etc.

Quais seriam as bandeiras do feminismo hoje?Mais importante de tudo -que acho que não vai ser conseguido nem nos Estados Unidos por enquanto- é: trabalho igual, salário igual. O resto foi conseguido. Nos EUA, a mulher ganha 80% do que ganha o homem; no Brasil, 70%.
Espero que o feminismo amadureça dentro da sociedade e que haja uma sociedade do homem e da mulher.

Quais são os movimentos de luta da mulher mais importantes no Brasil?Sou muito adepta da Secretaria de Política para as Mulheres. Hoje em dia, em todas as comunidades populares as mulheres tendem a fazer microcrédito, feiras de troca e diminuírem a pobreza extrema.
É um movimento geral, mas silencioso -97% dos movimentos de transformação da pobreza estão na mão da mulher: o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida. Hoje é cem vezes melhor [em relação aos anos 1960, 1970].
Não faça uma identidade entre grandeza do movimento e barulho. Há muitos movimentos silenciosos, como esses da economia solidária, por exemplo, que são levados por mulheres. É um movimento mais silencioso, mas mais profundo.
Está dando "empoderamento" às mulheres e fortíssimo, até nas áreas rurais.

Qual o seu projeto agora?Meu projeto é "empoderar" as mulheres de baixa renda, que vão mudar a estrutura da corrupção no Brasil, o que vai fazer os fluxos de dinheiro se voltarem para onde devem. Como na Escandinávia, onde se voltam ao povo, para pão, escola, trabalho.
A corrupção é muito mais séria do que você pensa. Porque o dinheiro em vez de ir para quem precisa, para quem tem fome, vai para quem tem mais dinheiro, para as Ilhas Cayman.
Exemplo: o Lula deu um dinheirinho pequeno, uma esmolinha para os pobres, e fez do Brasil a sétima economia do mundo. E deu um dinheirão para os bancos.

O que as mulheres devem fazer para atingir esse objetivo, o de "empoderamento"?Microcrédito, feiras de troca e bancos comunitários. Elas se apossarão do dinheiro. Porque nos espaços do Brasil onde já existem essas coisas a mulher é quem faz, negocia. Os homens brigam. Há muita diferença entre homens e mulheres. A mulher é soft; o homem é hard.

Mas isso não é muito mais uma questão cultural do que de gênero?Não. É uma questão biológica. A mulher é obrigada a proteger a vida. O homem é obrigado a buscar comida. Daí as guerras, a corrupção.
Eu acho que tem a ver com os neurônios masculinos. No cérebro, a maior diferença entre o masculino e o feminino é a área da agressividade.
A gente pode mudar o cérebro com o correr das gerações. Está mudando muito. Só o fato de a população se organizar. Olha a organização dos pobres nos países islâmicos. Isso era impossível há cinco anos. Graças ao Facebook, os pobres estão se reunindo, tendo uma voz, contra os corruptos.
Há grande desigualdade porque há grande desigualdade de dinheiro. A gente está criando um outro tipo de dinheiro, o dinheiro solidário, que não gera juro. O dinheiro que não gera juro gera igualdade.
É um projeto de reformulação das estruturas da sociedade. Já existem 400 bancos comunitários. Vamos apresentar um projeto à Dilma que é um passo além do Bolsa Família.
Estou muito animada. Quando eu comecei me chamavam de prostituta, mal-amada, machona, solteirona. Hoje, os tapetes vermelhos estão abertos para mim. Já não sou vista como uma bruxa contra os homens.

Hoje quem é a vanguarda desse movimento?Não existe uma vanguarda intelectual. Isso é uma maneira machista e centralista de pensar. Existem movimentos no mundo inteiro, já entrou na sociedade.
Vanguardas? Não sei. Pode ser que as presidentes das repúblicas sejam. Eu não acredito no sistema de liderança como é no sistema masculino, mas num sistema de comunidades, feminino.

E a questão do aborto no Brasil? A presidente disse que não vai mexer nisso.
São 15 países que não têm o avanço. Nos outros todos o aborto é legalizado. Mexer com a Igreja aqui no Brasil é uma barbaridade.
Ruth Cardoso levou [a questão] e a Igreja ficou danada. Jandira Feghali perdeu a eleição no Rio porque era a favor da legalização do aborto. A Igreja tem muito poder no Brasil. As mulheres pobres é que sofrem. Será uma surpresa uma modificação disso no curto prazo.

MURARO, POR ELA MESMA"Eu sou porra-louca. Quebro todos os padrões, inclusive os da velhice. Minha rotina continua a mesma. Sem olhos, eu continuo pensando o dia inteiro. Quando fiz uma operação de catarata nos EUA, consegui ver meu rosto sem óculos pela primeira vez. Tinha 66 anos e me achei bonita. Venho perdendo a visão desde que nasci. Sabia que no fim da minha vida não poderia usar meus olhos. Estou lidando com isso agora. O oculista me deu um óculos com uma lente com 24 graus para ver se eu conseguia ler jornais, mas não consegui. Não sei o que é braile. Pessoas que gostam de mim vêm ler para mim. É comunitário"

"Eu não sou pós moderna. Eu sou pré-arcaica. Do tempo da visão comunitária, não tinha rico, não tinha pobre. Isso está na cabeça do ser humano: o desejo de igualdade"

"Sou um catavento. Não vou contra o vento, não. O vento é a história. Estou aberta para o andar da história. Se ela involuir eu morro. Mas não está involuindo, está melhorando. Sempre fiz o que tinha que ser feito, independentemente do meu medo. Sou normal; os outros é que são -posso dizer um palavrão?- cagões. Eu não sou cagão porque sou cega"

sábado, 5 de março de 2011

A amizade e o fundamento subjetivo das redes sociais


Complexo de Roberto Carlos
Publicado em 07 de fevereiro de 2011
TAGS: Amizade, Marcia Tiburi, Real e Imaginário, Redes sociais
Marcia Tiburi

“Eu quero ter um milhão de amigos” é o famoso verso da linda canção “Eu Quero Apenas”, de Roberto Carlos. Adaptado aos nossos tempos, o verso representa o anseio que está na base do atual sucesso das redes sociais. Desde que Orkut, Facebook, MySpace, Twitter, LinkedIn e outros estão entre nós, precisamos mais do que nunca ficar atentos ao sentido das nossas relações. Sentido que é alterado pelos meios a partir dos quais são promovidas essas mesmas relações.

O fato é que as redes brincam com a promessa que estava contida na música do Rei apenas como metáfora. O que a canção põe em cena é da ordem do desejo cuja característica é ser oceânico e inespecífico. Desejar é desejar tudo, é mais que querer, é o querer do querer. Mas quem participa de uma rede social ultrapassa o limite do desejo e entra na esfera da potencialidade de uma realização que vem tornar problemática a relação entre real e imaginário. Se a música enuncia que “eu quero ter um milhão de amigos”, ela antecipa na ala do desejo o que nas redes sociais é seu cumprimento fetichista. E o que é o fetichismo senão a realização falsa de uma fantasia por meio de sua encenação sem que se esteja a fazer ficção? Torna-se urgente compreender as redes sociais quando uma nova subjetividade define um novo modo de vida caracterizado pelo que chamaremos aqui de complexo de Roberto Carlos.

Tal complexo se caracteriza pelo desejo de ter um milhão de amigos no qual não está contido o desejo de ter um amigo verdadeiro, muito menos único. A impossibilidade de realização desse desejo é até mesmo física. Não seria sustentável para o frágil corpo humano enfrentar “um milhão” de contatos reais. Na base do complexo de Roberto Carlos está a necessidade de sobrevivência que fez com que pessoas tenham se reunido em classes sociais, famílias, igrejas, partidos, grêmios, clubes e sua forma não regulamentada que são as “panelas”. Um milhão de amigos, portanto, ou é metáfora de canção ou é fantasmagoria que só cabe no infinito espaço virtual que cremos operar com a ponta de nossos dedos como um Deus que cria o mundo do fundo obscuro de sua solidão. Complexo de Roberto Carlos, de Rei, ou de Deus…

Questão fantasmagórica
A questão é da ordem do imaginário e de sua eficiente colonização. Não haveria o que criticar nesse desejo de conexão se ele não servisse de trunfo exploratório sobre as massas. Refiro-me às empresas de comunicação digital que usam o desejo humano de conexão e comunicação como isca para conquistar adeptos. Amizade é o nome dessa isca. Mas o que realmente está sendo vendido nessas redes se a amizade for mais que isso? Certamente não é a promessa de amizade, mas a amizade como gozo: a ilusão de um desejo realizado. E quando um desejo se realiza? Apenas quando ele dá lugar à aniquilação daquilo que o impulsionava.

Logo, o paradoxo a ser enfrentado nas redes sociais é que a maior quantidade de amigos é equivalente a amizade nenhuma. A amizade é como o amor, que só se sustenta na promessa de que será possível amar. Por isso, quando se sonha com o amor, ele sempre é desejo de futuro, no extremo, de uma eternidade do amor. O mesmo se dá com a amizade. Um amigo só é amigo se for para sempre. Mas quem é capaz de sustentar uma amizade hoje quando se pode ser amigo de todos e qualquer um?

De todas as redes sociais, duas delas, Orkut e Facebook, usam a curiosa terminologia “amigo” para nomear seus participantes. Certamente o uso da palavra não garante a realidade do fato, antes banaliza o significado do que poderia ser amizade, como mostra o recente filme A Rede Social (The Social Network, 2010), dirigido por David Fincher. O filme não é apenas um retrato de Mark Zuckerberg, o jovem e bilionário criador do Facebook, mas uma peça que pode nos fazer pensar sobre o sentido que nosso tempo digital dá à amizade.

Mark Zuckerberg, como personagem do filme, é o sujeito excluído de um clube. Dominado pelo básico desejo humano de “fazer parte”, ele decide criar seu próprio clube. No filme, ele consegue ter milhares de “conectados” – na realidade o Facebook hoje conecta 500 milhões de pessoas ou “amigos” – e perder seu único amigo verdadeiro, Eduardo Saresin. A amizade é a básica e absoluta forma da relação ética, aprendida como função fraterna no laboratório familiar e na escola; ela é uma qualidade de relação. Tratá-la como quantidade é a autodenúncia de seu fetiche e de sua transformação em mercadoria. O valor do filme está em mostrar a inversão diante da qual não há mais nenhuma chance de ética: um amigo não vale nada perto de milhões, como uma moedinha que perde seu valor diante de um cofre cheio. Amigos transformados em números não são amigos em lugar nenhum, nem na metáfora de Roberto Carlos, que serve aqui para denunciar criticamente o mundo do qual somos responsáveis junto com Mark Zuckerberg.