domingo, 19 de setembro de 2010

Atualizar a pedagogia face ao mundo mudado - Leonardo Boff


por Adital - Agência de Informação Frei Tito para América Latina

Séculos de guerras, de confrontos, de lutas entre povos e de conflitos de classe nos estão deixando uma amarga lição. Este método primário e reducionista não nos fez mais humanos, nem nos aproximou mais uns dos outros e muito menos nos trouxe a tão ansiada paz. Vivemos em permanente estado de sítio e cheios de medo. Alcançamos um patamar histórico que, nas palavras da Carta da Terra, "nos conclama a um novo começo". Isto requer uma pedagogia, fundada numa nova consciência e numa visão includente dos problemas econômicos, sociais, culturais e espirituais que nos desafiam.

Esta nova consciência, fruto da mundialização, das ciências da Terra e da vida e também da ecologia nos está mostrando um caminho a seguir: entender que todas as coisas são interdependentes e que mesmo as oposições não estão fora de um Todo dinâmico e aberto. Por isso, não cabe separar mas compor, incluir ao invés de excluir, reconhecer, sim, as diferenças mas também buscar as convergências e no lugar do ganha-perde, buscar o ganha-ganha.

Tal perspectiva holística vem infuenciando os processos educativos. Temos um mestre inolvidável, Paulo Freire, que nos ensinou a dialética da inclusão e a colocar o "e" onde antes púnhamos o "ou". Devemos aprender a dizer "sim" a tudo aquilo que nos faz crescer no pequeno e no grande.

Frei Clodovis Boff acumulou muita experiência trabalhando com os pobres no Acre e no Rio de Janeiro. Na esteira de Paulo Freire, entregou-nos um livrinho que se tornou um clássico: "Como trabalhar com o povo". E agora face aos desafios da nova situação do mundo, elaborou um pequeno decálogo daquilo que poderia ser uma pedagogia renovada. Vale a pena transcrevê-lo e considerá-lo pois nos pode ajudar e muito.

1."Sim ao processo de conscientização, ao despertar da consciência crítica e ao uso da razão analítica (cabeça). Mas sim também à razão sensível (coração) onde se enraizam os valores e de onde se alimentam o imaginário e todas as utopias.

2. Sim ao "sujeito coletivo" ou social, ao "nós" criador de história ("ninguém liberta ninguém, nos libertamos juntos"). Mas também sim à subjetividade de cada um, ao "eu biográfico", ao "sujeito individual" com suas referências e sonhos.

3. Sim à "praxis política", transformadora das estruturas e geradora de novas relações sociais, de um novo "sistema". Mas sim também à "prática cultural" (simbólica, artística e religiosa), "transfiguradora" do mundo e criadora de novos sentidos ou, simplesmente, de um novo "mundo vital".

4. Sim à ação "macro" ou societária (em particular à "ação revolucionária"), aquela que age sobre as estruturas. Mas sim também à ação "micro", local e comunitária ("revolução molecular") como base e ponto de partida do processo estrutural.

5. Sim à articulação das forças sociais sob a forma de "estruturas unificadoras" e centralizadas. Mas sim também à articulação em "rede", na qual por uma ação decentralizada, cada nó se torna centro de criação, de iniciativas e de intervenções.

6. Sim à "crítica" dos mecanismos de opressão, à denúncia das injustiças e ao "trabalho do negativo". Mas sim também às propostas "alternativas", às ações positivas que instauram o "novo" e anunciam um futuro diferente.

7. Sim ao "projeto histórico", ao "programa político" concreto que aponta para uma "nova sociedade". Mas sim também às "utopias", aos sonhos da "fantasia criadora", à busca de uma vida diferente, em fim, de "um mundo novo".

8. Sim à "luta", ao trabalho, ao esforço para progredir, sim à seriedade do engajamento. Mas sim também à "gratuidade" assim como se manifesta no jogo, no tempo livre, ou simplesmente, na alegria de viver.

9. Sim ao ideal de ser "cidadão", de ser "militante" e "lutador", sim a quem se entrega, cheio de entusiasmo e coragem, à causa da humanização do mundo. Mas também sim à figura do "animador", do "companheiro", do "amigo", em palavras pobres, sim a quem é rico de humanidade, de liberdade e de amor.

10. Sim a uma concepção "analítica" e científica da sociedade e de suas estruturas econômicas e políticas. Mas sim também à visão "sistêmica" e "holística"da realidade, vista como totalidade viva, integrada dialeticamente em suas várias dimensões: pessoal, de gênero, social, ecológica, planetária, cósmica e transcendente."
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Como se pode crer em Deus se não se crê no outro?


Como é possível "pensar que se pode crer em um Deus que não se vê e não crer nos outros que vemos e graças aos quais crescemos e nos tornamos pessoas adultas?"

Essa é a questão sobre a qual o monge e teólogo italiano Enzo Bianchi reflete neste artigo publicado na revista Jesus, nº 9, de setembro de 2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Segundo o apóstolo Paulo, "nem todos possuem a fé" (2Tess 3, 2), isto é, nem todos acolhem o dom da fé por parte de Deus, porque ela é "virtude teologal", como recitava o catecismo: pode-se, portanto, afirmar também que esse dom não é feito para todos. A fé, de fato, nasce da escuta (Rm 10,17) e, por isso, é preciso que a palavra de Deus chegue ao coração do homem e lhe dê a fé. Mas também é verdade que a fé – justamente porque é acolhida pelo homem, justamente porque é o homem quem crê – também é um ato humano, de liberdade, ao qual podemos ser educados: a fé, na verdade, como ato humaníssimo e vital, significa entrar em relação, iniciar uma relação viva com o outro, é dizer "Amém", aderir, confiar, crer.

A fé, o crer são uma necessidade humana: podemos dizer que não pode haver uma humanização autêntica sem a fé. Como seria possível viver sem confiar em alguém? Diferentemente de muitos animais, de fato, nós saímos incompletos do ventre da nossa mãe, e, para "vir ao mundo", para crescer como pessoas em relação com os outros, devemos pôr a confiança em alguém.

A criança, recém nascida da mãe, logo tem necessidade de sentir que pode pôr a confiança também no seu pai, nos genitores, naqueles que são as suas primeiras referências. É preciso que lhe seja dado o alimento, uma proteção do frio ou do calor, a palavra... e assim ele é educado a crer, porque, descobrindo a gratuidade e a coerência, sente que pode crescer e pode confiar, se dá conta de que existe um sentido. É crendo nos outros que, pouco a pouco, a criança crê também em si mesma: a confiabilidade é possível.

Mais tarde, descobrirá que é capaz de iniciar uma história de amor só se for capaz de crer no outro e de ser, por sua vez, confiável para o outro. Não é significativo que, tempos atrás, aqueles que iniciavam uma história de amor com responsabilidade e confiança se chamavam fidanzati [noivos] e, no momento das núpcias, trocavam-se a "fé"? Durante toda a nossa existência, devemos saber crer nos outros: também nas relações sociais e nas econômicas, devemos confiar, "dar crédito", como diz a linguagem comercial, isto é, crer em alguém.

Sim, há uma humanidade da fé à qual nós, cristãos, infelizmente, não estamos suficientemente atentos: corremos o risco de ser devorados pela ânsia ou pela paixão da fé em Deus e não compreendemos que, sem essa fé humana, não é possível que, em uma pessoa, se enxerte a fé em Deus, senão como declaração teísta, como afirmação de pertencimento cultural e identitário, certamente não como confissão cristã.

Mas justamente essa humanidade da fé nos leva a confessar hoje a crise da fé: crise do ato humano do crer que se tornou tão difícil, raro e, frequentemente, porém, contraditório. Somos poucos dispostos a pôr a confiança nos outros, somos incapazes de "acreditar junto com os outros" em um objetivo, em um projeto que sentimos que é bom. Constatamos isso a cada dia: por que se prefere a convivência ao casamento? Por que se tornou tão difícil uma história perseverante e fiel no amor? Por que a palavra dada no casamento ou na vida comunitária, nas relações amorosas é tão facilmente desmentida?

Será que hoje não conseguimos mais crer e, talvez, principalmente, crer no amor? Porém, o apóstolo João dá esta definição lapidar dos cristãos: "Nós somos aqueles que creem no amor" (1Jo 4, 16). Muitas vezes, ouço reclamações sobre a falta de fé em Deus, sobre a remoção que a nossa sociedade opera com relação a Deus, mas no coração sou tentado por uma reação de intolerância: como é possível se lamentar de que as pessoas não creem mais em Deus quando não creem mais no outro, em que está ao lado, na companhia dos homens e das mulheres? Como pensar que se pode crer em um Deus que não se vê e não crer nos outros que vemos e graças aos quais crescemos e nos tornamos pessoas adultas?

Lendo a Bíblia com sabedoria, captamos sobretudo uma longa educação para a fé, operada pelo próprio Deus, partindo de Abraão até Jesus Cristo. Não por acaso, o livro da Sabedoria nos fala de "Deus educador do homem", Deus que ensina os seres humanos. A Igreja italiana se comprometeu, nos próximos anos, a refletir sobre a educação para a fé: não nos esqueçamos que a busca e o empenho serão fecundos se nos dermos conta de que a fé também tem uma humanidade: isso significa não só crer em Deus, mas também crer no próximo, na Terra, no futuro.

Uma pergunta me parece surgir, então, dessas considerações: quem é crente? Quando alguém crê verdadeiramente? São verdadeiramente não crentes todos aqueles que se dizem ateus? E são verdadeiramente crentes todos aqueles que dizem crer em Deus ou se vangloriam orgulhosamente pelo seu próprio pertencimento cristão?

sábado, 4 de setembro de 2010

A renovação da lista de delitos apresentada pela Congregação da Doutrina da Fé


Ivone Gebara, escritora, filósofa e teóloga, comenta o texto promulgado no dia 30 de abril de 2010 e assinado pelo Cardeal Levada, atual Presidente da Congregação da Doutrina da Fé, em artigo publicado por Adital, 03-09-2010.

Em julho deste ano, Igreja Católica publicou uma revisão do decreto "Sacramentum Sanctitatis Tutela", promulgado em 2001 por João Paulo II. Além de não enfrentar com a energia necessária os graves crimes de pedofilia cometidos por integrantes do clero, o documento ousa colocar a ordenação de mulheres na lista de "crimes mais graves" quanto às questões sacramentais. Católicas pelo Direito a Decidir publica a seguir -e como editorial- o artigo em que a teóloga brasileira Ivone Gebara manifesta seu repúdio a mais essa manobra de encobrimento dos abusos sexuais cometidos por padres e mais esse ataque contra as mulheres, promovido pelo Vaticano.

Eis o artigo.

Em diferentes partes do mundo, grupos de teólogas feministas e, sobretudo, grupos que lutam pela ordenação das mulheres têm se manifestado contra a junção num mesmo documento do delito da pedofilia e do "chamado" delito das mulheres que foram ordenadas ou daquelas que lutam pela ordenação presbiteral. Creio que os canonistas poderiam se defender contra os ataques das feministas em relação a essa lista de novos delitos contra a ortodoxia da Igreja Católica Romana alegando que já em outros documentos eclesiásticos essa condenação existia.

De fato, o que está nessa lista renovada sobre a ordenação das mulheres já estava presente no "Sacramentorum Sanctitatis Tutela", documento promulgado em abril de 2001 sob o Pontificado de João Paulo II, e no Código do Direito Canônico, cânon 1378. Portanto, a condenação não é nova. Da mesma forma, há nos documentos da Igreja penalidades contra os delitos sexuais, incluindo-se a pedofilia. Portanto, nesse particular também não há novidade.

Entretanto, vejo nesse momento a reafirmação pública da condenação da ordenação das mulheres colocada no mesmo texto das penalidades aos pedófilos clérigos, incluindo-se os que detêm patentes clericais uma questão de ordem ética gravíssima. Uma coisa é a transgressão de uma regra canônica em relação à divisão de funções na Igreja (a ordenação sacerdotal é inclusive permitida em outras igrejas cristãs) e outra coisa é o uso de crianças ou de menores como objetos de satisfação sexual. No Documento "Sacramentorum Sanctitatis Tutela" há um elenco de delitos contra todos os sacramentos.

Nessa "Renovação dos Delitos", propõe-se uma reafirmação da lista de delitos, mas esconde na realidade um outro grande delito. Este se refere ao temor de enfrentar a problemática da pedofilia nas instituições da Igreja, aliás uma questão eminentemente masculina. Tornando pública uma condenação contra as mulheres, a atenção em relação "ao clube dos good boys" e suas más ações fica desviada e dividida. Criam-se novas polêmicas e dilui-se o foco do problema.

Creio que, nesse momento, nossa posição como mulheres não deveria ser de defesa do direito à ordenação sacerdotal, mas fundamentalmente a de denunciar e repudiar o uso inapropriado dessa "velha" condenação para ocultar os velhos e atuais crimes da instituição. Esses crimes são em parte legitimados pela manutenção de uma leitura da tradição cristã que continua sendo hierárquica, dualista, sexista e prepotente. Temos que retomar o FOCO da questão atual: a pedofilia do clero como crime contra a humanidade. É esse grande e grave delito que está sendo julgado e condenado. E é em relação a ele que se exige das comunidades católicas e da sociedade uma tomada de posição clara e vigorosa, já que os hierarcas tentam de diferentes maneiras diminuir ou simplesmente não assumir a gravidade real problema.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Propagandas de ônibus pela ordenação de mulheres já circulam em Londres


Quinze ônibus que circulam pelas ruas do centro de Londres começaram a levar hoje cartazes com a frase "Papa Bento, Ordene Mulheres Já", duas semanas antes que o Pontífice inicie uma visita oficial ao Reino Unido.

A reportagem é da agência Efe, 30-08-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Os cartazes têm um custo de 18.300 euros, patrocinados pelo grupo Ordenação de Mulheres Católicas (CWO), que às vésperas da apresentação das propagandas denunciou que a hierarquia católica quer silenciar qualquer debate sobre essa questão.

Pat Brown, porta-voz do CWO, assegurou que existem sacerdotes católicos que respaldam a iniciativa, que estará representada nos ônibus londrinos durante quatro semanas, mas que não se atrevem a tornar público o seu apoio por medo de uma represália disciplinar.

Brown, católica praticante e ativa em uma paróquia de Leeds (norte da Inglaterra), acrescentou que conhece pessoas que trabalham para a Igreja Católica às quais se exigiu que não façam parte do CWO.

Concretamente, a porta-voz do CWO citou o caso de uma professora de uma escola católica, que há algumas semanas foi ameaçada com a demissão se não se desvinculasse imediatamente dessa campanha pela igualdade das mulheres no seio da Igreja de Roma.

"Proíbem-nos discutir esse assunto em público. Por exemplo, não podemos realizar debates nas dependências das paróquias. É por isso que nos vemos forçados a tomar medidas extremas como essa", manifestou Brown sobre a decisão de publicizar os cartazes.

A ativista destacou que "não se pode proibir que as pessoas falem sobre algo, porque não é a forma britânica de se fazer as coisas".

No começo do ano, o Vaticano declarou a ordenação de mulheres como um dos crimes mais graves na Igreja Católica. Andrew Faley, vice-secretário geral da Conferência Episcopal da Inglaterra e País de Gales, afirmou, com relação a essa campanha, que "a Igreja Católica sempre irá proteger a natureza e a validade do sacramento da santa ordem sacerdotal".

"A tentativa de ordenar uma mulher como diácono, sacerdote ou bispo vai contra o entendimento essencial do ministério no seio da Igreja Católica e das Igrejas do Ocidente", afirmou.

Bento XVI estará no Reino Unido entre os dias 16 e 19 de setembro, na primeira viagem oficial de um Pontífice a esse país e na qual visitará a Inglaterra e a Escócia.

A visita anterior de um Papa a esse país, onde se estima que haja 6 milhões de católicos, foi a de João Paulo II, em 1982, mas nessa ocasião tratou-se de uma viagem pastoral.