sexta-feira, 15 de outubro de 2010

“Se nos calarmos, até as pedras gritarão!”


Manifesto de Cristãos e cristãs evangélicos/as e católicos/as em favor da vida e da Vida em Abundância!
Somos homens e mulheres, ministros, ministras, agentes de pastoral, teólogos/as, padres, pastores e pastoras, intelectuais e militantes sociais, membros de diferentes Igrejas cristãs, movidos/as pela fidelidade à verdade, vimos a público declarar:

1. Nestes dias, circulam pela internet, pela imprensa e dentro de algumas de nossas igrejas, manifestações de líderes cristãos que, em nome da fé, pedem ao povo que não vote em Dilma Rousseff sob o pretexto de que ela seria favorável ao aborto, ao casamento gay e a outras medidas tidas como “contrárias à moral”.
A própria candidata negou a veracidade destas afirmações e, ao contrário, se reuniu com lideranças das Igrejas em um diálogo positivo e aberto. Apesar disso, estes boatos e mentiras continuam sendo espalhados. Diante destas posturas autoritárias e mentirosas, disfarçadas sob o uso da boa moral e da fé, nos sentimos obrigados a atualizar a palavra de Jesus, afirmando, agora, diante de todo o Brasil: “se nos calarmos, até as pedras gritarão!” (Lc 19, 40).

2. Não aceitamos que se use da fé para condenar alguma candidatura. Por isso, fazemos esta declaração como cristãos, ligando nossa fé à vida concreta, a partir de uma análise social e política da realidade e não apenas por motivos religiosos ou doutrinais. Em nome do nosso compromisso com o povo brasileiro, declaramos publicamente o nosso voto em Dilma Rousseff e as razões que nos levam a tomar esta atitude:

3. Consideramos que, para o projeto de um Brasil justo e igualitário, a eleição de Dilma para presidente da República representará um passo maior do que a eventualidade de uma vitória do Serra, que, segundo nossa análise, nos levaria a recuar em várias conquistas populares e efetivos ganhos sócio-culturais e econômicos que se destacam na melhoria de vida da população brasileira.

4. Consideramos que o direito à Vida seja a mais profunda e bela das manifestações das pessoas que acreditam em Deus, pois somos à sua Imagem e Semelhança. Portanto, defender a vida é oferecer condições de saúde, educação, moradia, terra, trabalho, lazer, cultura e dignidade para todas as pessoas, particularmente as que mais precisam. Por isso, um governo justo oferece sua opção preferencial às pessoas empobrecidas, injustiçadas, perseguidas e caluniadas, conforme a proclamação de Jesus na montanha (Cf. Mt 5, 1- 12).

5. Acreditamos que o projeto divino para este mundo foi anunciado através das palavras e ações de Jesus Cristo. Este projeto não se esgota em nenhum regime de governo e não se reduz apenas a uma melhor organização social e política da sociedade. Entretanto, quando oramos “venha o teu reino”, cremos que ele virá, não apenas de forma espiritualista e restrito aos corações, mas, principalmente na transformação das estruturas sociais e políticas deste mundo.

6. Sabemos que as grandes transformações da sociedade se darão principalmente através das conquistas sociais, políticas e ecológicas, feitas pelo povo organizado e não apenas pelo beneplácito de um governante mais aberto/a ou mais sensível ao povo. Temos críticas a alguns aspectos e algumas políticas do governo atual que Dilma promete continuar. Motivo do voto alternativo de muitos companheiros e companheiras Entretanto, por experiência, constatamos: não é a mesma coisa ter no governo uma pessoa que respeite os movimentos populares e dialogue com os segmentos mais pobres da sociedade, ou ter alguém que, diante de uma manifestação popular, mande a polícia reprimir. Neste sentido, tanto no governo federal, como nos estados, as gestões tucanas têm se caracterizado sempre pela arrogância do seu apego às políticas neoliberais e pela insensibilidade para com as grandes questões sociais do povo mais empobrecido.

7. Sabemos de pessoas que se dizem religiosas, e que cometem atrocidades contra crianças, por isso, ter um candidato religioso não é necessariamente parâmetro para se ter um governante justo, por isso, não nos interessa se tal candidato/a é religioso ou não. Como Jesus, cremos que o importante não é tanto dizer “Senhor, Senhor”, mas realizar a vontade de Deus, ou seja, o projeto divino. Esperamos que Dilma continue a feliz política externa do presidente Lula, principalmente no projeto da nossa fundamental integração com os países irmãos da América Latina e na solidariedade aos países africanos, com os quais o Brasil tem uma grande dívida moral e uma longa história em comum. A integração com os movimentos populares emergentes em vários países do continente nos levará a caminharmos para novos e decisivos passos de justiça, igualdade social e cuidado com a natureza, em todas as suas dimensões. Entendemos que um país com sustentabilidade e desenvolvimento humano – como Marina Silva defende – só pode ser construído resgatando já a enorme dívida social com o seu povo mais empobrecido. No momento atual, Dilma Rousseff representa este projeto que, mesmo com obstáculos, foi iniciado nos oito anos de mandato do presidente Lula. É isto que está em jogo neste segundo turno das eleições de 2010.

Com esta esperança e a decisão de lutarmos por isso, nos subscrevemos:

Dom Thomas Balduino, bispo emérito de Goiás velho, e presidente honorário da CPT nacional.
Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Feliz do Araguaia-MT.
Dom Demetrio Valentini, bispo de Jales-SP e presidente da Cáritas nacional.
Dom Luiz Eccel - Bispo de Caçador-SC
Dom Antonio Possamai, bispo emérito da Rondônia.
Dom Sebastião Lima Duarte, bispo de Viana- Maranhão.
Dom Xavier Gilles, bispo emérito de Vina- Maranhão.
Padre Paulo Gabriel, agente de pastoral da Prelazia de São Feliz do Araguaia /MT
Jether Ramalho, Rio de Janeiro.
Marcelo Barros, monge beneditino, teólogo
Professor Candido Mendes, cientista político e reitor
Luiz Alberto Gómez de Souza, cientista político, professor
Zé Vicente, cantador popular. Ceará
Chico césar. Cantador popular. Paraíba/são paulo
Revdo Roberto Zwetch, igreja IELCB e professor de teologia em São Leopoldo.
Pastora Nancy Cardoso, metodista, Vassouras / RJ
Antonio Marcos Santos, Igreja Evangélica Assembléia de Deus - Juazeiro - Bahia
Maria Victoria Benevides, professora, da USP
Monge Joshin, Comunidade Zen Budista do Brasil, São Paulo
Antonio Cecchin, irmão marista, Porto Alegre.
Ivone Gebara, religiosa católica, teóloga e assessora de movimentos populares.
Fr. Luiz Carlos Susin – Secretário Geral do Fórum Mundial de Teologia e Libertação
Frei Betto, escritor, dominicano.
Luiza E. Tomita – Sec. Executiva EATWOT(Ecumenical Association of Third World Theologians)
Ir. Irio Luiz Conti, MSF. Presidente da Fian Internacional
Pe. João Pedro Baresi, pres. da Comissão Justiça e Paz da CRB (Conferência dos religiosos do Brasil) SP
Frei José Fernandes Alves, OP. – Coord. da Comissão Dominicana de Justiça e Paz
Pe. Oscar Beozzo, diocese de Lins.
Pe. Inácio Neutzling – jesuíta, diretor do Instituto Humanitas Unisinos
Pe. Ivo Pedro Oro, diocese de Chapecó / SC
Pe. Igor Damo, diocese de Chapecó-SC.
Irmã Pompeia Bernasconi, cônegas de Santo Agostinho
Cibele Maria Lima Rodrigues, Pesquisadora.
Pe. John Caruana, Rondônia.
Pe. Julio Gotardo, São Paulo.
Toninho Kalunga, São Paulo,
Washingtonn Luiz Viana da Cruz, Campo Largo, PR e membro do EPJ (Evangélicos Pela Justiça)
Ricardo Matense, Igreja Assembléia de Deus, Mata de São João/Bahia
Silvania Costa
Mercedez Lopes,
André Marmilicz
Raimundo Cesar Barreto Jr, Pastor Batista, Doutor em ética social
Pe. Arnildo Fritzen, Carazinho. RS.
Darciolei Volpato, RS
Frei Ildo Perondi - Londrina PR
Ir. Inês Weber, irmãs de Notre Dame.
Pe. Domingos Luiz Costa Curta, Coord. Dioc de Pastoral da Diocese de Chapecó/SC.
Pe. Luis Sartorel,
Itacir Gasparin
Célio Piovesan, Canoas.RS
Toninho Evangelista - Hortolândia/SP
Geter Borges de Sousa, Evangélicos Pela Justiça (EPJ), Brasília.
Caio César Sousa Marçal - Missionário da Igreja de Cristo - Frecheirinha/CE
Rodinei Balbinot, Rede Santa Paulina
Pe. Cleto João Stulp, diocese de Chapecó.
Odja Barros Santos - Pastora batista
Ricardo Aléssio, cristão de tradição presbiteriana, professor universitário.
Maria Luíza Aléssio, professora universitária, ex-secretária de educação do Recife
Rosa Maria Gomes
Roberto Cartaxo Machado Rios
Rute Maria Monteiro Machado Rios
Antonio Souto, Caucaia, CE
Olidio Mangolim – PR
Joselita Alves Sampaio – PR
Kleber Jorge e silva, teologia – Passo Fundo - RS
Terezinha Albuquerque
PR. Marco Aurélio Alves Vicente - EPJ - Evangélicos pela Justiça, pastor-auxiliar da Igreja Catedral da Família/Goiânia-GO
Padre Ferraro, Campinas.
Ir, Carmem Vedovatto
Ir. Letícia Pontini, discípulas, Manaus.
Padre Manoel, PR
Magali Nascimento Cunha, metodista
Stela Maris da Silva
Ir. Neusa Luiz, abelardo luz- SC
Lucia Ribeiro, socióloga
Marcelo Timotheo da Costa, historiador
Maria Helena Silva Timotheo da Costa
Ianete Sampaio
Ney Paiva Chavez, professora educação visual, Rio de janeiro
Antonio Carlos Fester
Ana Lucia Alves, Brasília
Ivo Forotti, Cebs – Canoas - RS
Agnaldo da Silva Vieira - Pastor Batista. Igreja Batista da Esperança - Rio de Janeiro
Irmã Claudia Paixão, Rio de Janeiro
Marlene Ossami de Moura, antropóloga / Goiânia.
Ir. Maria Celina Correia Leite, Recife
Pedro Henriques de Moraes Melo - UFC/ACEG
Fernanda Seibel, Caxias do Sul.
Benedito Cunha, pesquisador popular, membro do Centro Mandacaru - Fortaleza
Pe. Lino Allegri - Pastoral do Povo da Rua de Fortaleza, CE.
Juciano de Sousa Lacerda, Prof. Doutor de Comunicação Social da UFRN
Pasqualino Toscan - Guaraciaba SC
Francisco das Chagas de Morais, Natal - RN.
Elida Araújo
Maria do Socorro Furtado Veloso - Natal, RN
Maria Letícia Ligneul Cotrim, educadora
Maria das Graças Pinto Coelho/ professora universitária/UFRN
Ismael de Souza Maciel membro do CEBI - Centro de Estudos Bíbicos Recife
Xavier Uytdenbroek, prof. aposentado da UFPE e membro da coordenação pastoral da UNICAP
Maria Mércia do Egito Souza agente da Pastoral da Saúde Arquidiocese de Olinda e Recife
Leonardo Fernando de Barros Autran Gonçalves Advogado e Analista do INSS
Karla Juliana Souza Uytdenbroek Bacharel em Direito
Targelia de Souza Albuquerque
Maria Lúcia F de Barbosa, Professora UFPE
Débora Costa-Maciel, Profª. UPE
Maria Theresia Seewer
107. Ida Vicenzia Dias Maciel
108. Marcelo Tibaes
109. Sergio Bernardoni, diretor da CARAVIDEO- Goiânia - Goiás
110. Claudio de Oliveira Ribeiro. Sou pastor da Igreja Metodista em Santo André, SP.
104 . Pe. Paulo Sérgio Vaillant - Presbítero da Arquidiocese de Vitória – ES
106. Roberto Fernandes de Souza. RG 08539697-6 IFP RJ - Secretario do CEBI RJ
107. Sílvia Pompéia.
108. Pe. Maro Passerini - coordenador Past. Carcerária - CE
109. Dora Seibel – Pedagoga, caxias do sul.
110. Mosara Barbosa de Melo
111. Maria de Fátima Pimentel Lins
112. Prof. Renato Thiel, UCB-DF
114 . Alexandre Brasil Fonseca , Sociólogo, prof. da UFRJ, Ig. Presbiteriana e coordenador da Rede FALE)
115 Daniela Sanches Frozi, (Nutricionista, profa. da UERJ, Ig. Presbiteriana, conselheira do CONSEA Nacional e vice-presidente da ABUB)
116. Marcelo Ayres Camurça – Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião – Universidade Federal de Juiz de Fora
117. Revd. Cônego Francisco de Assis da Silva,Secretário Geral da IEAB e membro da Coordenação do Fórum Ecumênico Brasil
118. Irene Maria G.F. da Silva Telles
119. Manfredo Araújo de Oliveira
120. Agnaldo da Silva Vieira - Pedagogo e Pastor Auxiliar da Igreja Batista da Esperança-Centro do Rio de Janeiro
121. Pr. Marcos Dornel - Pastor Evangélico - Igreja Batista Nova Curuçá - SP
122. Adriano Carvalho.
123. Pe. Sérgio Campos, Fundação Redentorista de Comunicações Sociais – Paranaguá/Pr.
124. Eduardo Dutra Machado, pastor presbiteriano
125. Maria Gabriela Curubeto Godoy - médica psiquiatra - RS
126. Genoveva Prima de Freitas- Professora – Goiânia
127. M. Candida R. Diaz Bordenave
128. Ismael de Souza Maciel membro do CEBI - Centro de Estudos Bíbicos Recife
129. Xavier Uytdenbroek prof. aposentado da UFPE e membro da coordenação pastoral da UNICAP
130. Maria Mércia do Egito Souza agente da Pastoral da Saúde Arquidiocese de Olinda e Recife
131. Leonardo Fernando de Barros Autran Gonçalves Advogado e Analista do INSS
132. Karla Juliana Souza Uytdenbroek Bacharel em Direito
133. Targelia de Souza Albuquerque
134. Maria Lúcia F de Barbosa (Professora - UFPE)
135. Paulo Teixeira, parlamentar, são paulo.
136. Alessandro Molon, parlamentar, Rio de janeiro.
137. Adjair Alves (Professor - UPE)
138. Luziano Pereira Mendes de Lima - UNEAL
139. Cláudia Maria Afonso de Castro-psicóloga- trabalhadora da Saúde-SMS Suzano-SP
140. Fátima Tavares, Coordenadora do Programa de Pos-Graduação em Antropologia FFCH/UFBA
141. Carlos Caroso, Professor Associado do Departamento de Antropologia e Etrnologia da UFBA.
142. Isabel Tooda
143. Joanildo Burity (Anglicano, cientista político, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco,
144. Prof. Dr. Paulo Fernando Carneiro de Andrade, Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Professor de Teologia PUC- Rio
145. Aristóteles Rodrigues - Psicólogo, Mestre em Ciência da Religião
146. Zwinglio Mota Dias - Professor Associado III – Universidade Federal de Juiz de Fora
147. Antonio Francisco Braga dos Santos- IFCE
148. Paulo Couto Teixeira, Mestrando em Teologia na EST/IECLB
149. Rev. Luis Omar Dominguez Espinoza
150. Anivaldo Padilha - Metodista, KOINONIA, líder ecumênico
151. Nercina Gonçalves
152. Hélio Rios, pastor presbiteriano
153. João José Silva Bordalo Coelho, Professor- RJ
154. Lucilia Ramalho. Rio de janeiro.
155. Maria tereza Sartorio, educadora, ES
156. Maria jose Sartorio, saúde, ES
157. Nilda Lucia sartorio, secretaria de ação social, Espírito santo
158. Ângela maria fernandes -Curitiba paraná
159. Lúcia Adélia Fernandes
160. Jeanne Nascimento - Advogada em São Paulo/SP
161. Frei José Alamiro, franciscano, São Paulo, SP
162 - Ruth Alexandre de Paulo Mantoan
163 -Maria Josete Rech - Membro da Rede Shalom-IENS/RS
164-Daniela Gebelucha-Jovem, Ministra da Palavra e Eucarístia/RS
165- Raquel Pena Pinto - teóloga




terça-feira, 12 de outubro de 2010

MANIFESTO DE ARTISTAS E INTELECTUAIS PRO DILMA


Um grupo de artistas e intelectuais liderados por Leonardo Boff, Chico Buarque, Emir Sader, Eric Nepumuceno está articulando adesões ao manifesto abaixo de apoio político a eleição de Dilma Roussef. Se você puder aderir agradeceríamos muito: mande sua adesão para emirsader@uol.com.br ; ericnepomuceno@uol.com.br

MANIFESTO DE ARTISTAS E INTELECTUAIS PRO DILMA
Nós, que no primeiro turno votamos em distintos candidatos e em diferentes partidos, nos unimos para apoiar Dilma Rousseff. Fazemos isso por sentir que é nosso dever somar forças para garantir os avanços alcançados. Para prosseguirmos juntos na construção de um país capaz de um crescimento econômico que signifique desenvolvimento para todos, que preserve os bens e serviços da natureza, um país socialmente justo, que continue acelerando a inclusão social, que consolide, soberano, sua nova posição no cenário internacional.
Um país que priorize a educação, a cultura, a sustentabilidade, a erradicação da miséria e da desiguladade social. Um país que preserve sua dignidade reconquistada.
Entendemos que essas são condições essenciais para que seja possível atender às necessidades básicas do povo, fortalecer a cidadania, assegurar a cada brasileiro seus direitos fundamentais.
Entendemos que é essencial seguir reconstruindo o Estado, para garantir o desenvolvimento sustentável, com justiça social e projeção de uma política externa soberana e solidária.
Entendemos que, muito mais que uma candidatura, o que está em jogo é o que foi conquistado.
Por tudo isso, declaramos, em conjunto, o apoio a Dilma Rousseff. É hora de unir nossas forças no segundo turno para garantir as conquistas e continuarmos na direção de uma sociedade justa, solidária e soberana.

Leonardo Boff
Chico Buarque
Fernando Morais
Emir Sader
Eric Nepumuceno

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Dilma e a fé cristã


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Em tudo o que Dilma realizou, falou ou escreveu, jamais se encontrará uma única linha contrária aos princípios do Evangelho e da fé cristã
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Conheço Dilma Rousseff desde criança. Éramos vizinhos na rua Major Lopes, em Belo Horizonte.
Ela e Thereza, minha irmã, foram amigas de adolescência.
Anos depois, nos encontramos no presídio Tiradentes, em São Paulo. Ex-aluna de colégio religioso, dirigido por freiras de Sion, Dilma, no cárcere, participava de orações e comentários do Evangelho.
Nada tinha de "marxista ateia".
Nossos torturadores, sim, praticavam o ateísmo militante ao profanar, com violência, os templos vivos de Deus: as vítimas levadas ao pau-de-arara, ao choque elétrico, ao afogamento e à morte.
Em 2003, deu-se meu terceiro encontro com Dilma, em Brasília, nos dois anos em que participei do governo Lula. De nossa amizade, posso assegurar que não passa de campanha difamatória -diria, terrorista- acusar Dilma Rousseff de "abortista" ou contrária aos princípios evangélicos.
Se um ou outro bispo critica Dilma, há que se lembrar que, por ser bispo, ninguém é dono da verdade.
Nem tem o direito de julgar o foro íntimo do próximo.
Dilma, como Lula, é pessoa de fé cristã, formada na Igreja Católica.
Na linha do que recomenda Jesus, ela e Lula não saem por aí propalando, como fariseus, suas convicções religiosas. Preferem comprovar, por suas atitudes, que "a árvore se conhece pelos frutos", como acentua o Evangelho.
É na coerência de suas ações, na ética de procedimentos políticos e na dedicação ao povo brasileiro que políticos como Dilma e Lula testemunham a fé que abraçam.
Sobre Lula, desde as greves do ABC, espalharam horrores: se eleito, tomaria as mansões do Morumbi, em São Paulo; expropriaria fazendas e sítios produtivos; implantaria o socialismo por decreto...
Passados quase oito anos, o que vemos? Um Brasil mais justo, com menos miséria e mais distribuição de renda, sem criminalizar movimentos sociais ou privatizar o patrimônio público, respeitado internacionalmente.
Até o segundo turno, nichos da oposição ao governo Lula haverão de ecoar boataria e mentiras. Mas não podem alterar a essência de uma pessoa. Em tudo o que Dilma realizou, falou ou escreveu, jamais se encontrará uma única linha contrária ao conteúdo da fé cristã e aos princípios do Evangelho.
Certa vez indagaram a Jesus quem haveria de se salvar. Ele não respondeu que seriam aqueles que vivem batendo no peito e proclamando o nome de Deus. Nem os que vão à missa ou ao culto todos os domingos. Nem quem se julga dono da doutrina cristã e se arvora em juiz de seus semelhantes.
A resposta de Jesus surpreendeu: "Eu tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; estive enfermo e me visitastes; oprimido, e me libertastes..." (Mateus 25, 31-46). Jesus se colocou no lugar dos mais pobres e frisou que a salvação está ao alcance de quem, por amor, busca saciar a fome dos miseráveis, não se omite diante das opressões, procura assegurar a todos vida digna e feliz.
Isso o governo Lula tem feito, segundo a opinião de 77% da população brasileira, como demonstram as pesquisas. Com certeza, Dilma, se eleita presidente, prosseguirá na mesma direção.
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FREI BETTO, frade dominicano, é assessor de movimentos sociais e escritor, autor de "Um homem chamado Jesus" (Rocco), entre outros livros. Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004, governo Lula).

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Marina Silva pode reforçar o projeto do novo Brasil


Leonardo Boff - por Adital

O Brasil está ainda em construção. Somos inteiros, mas não acabados. Nas bases e nas discussões políticas sempre se suscita a questão: que Brasil finalmente queremos?

É então que surgem os vários projetos políticos elaborados a partir de forças sociais com seus interesses econômicos e ideológicos com os quais pretendem moldar o Brasil.

Agora, no segundo turno das eleições presidenciais, tais projetos repontam com clareza. É importante o cidadão consciente dar-se conta do que está em jogo para além das palavras e promessas e se colocar criticamente a questão: qual dos projetos atende melhor às urgências das maiorias que sempre foram as "humilhadas e ofendidas" e consideradas "zeros econômicos" pelo pouco que produzem e consomem.

Essas maiorias conseguiram se organizar, criar sua consciência própria, elaborar o seu projeto de Brasil e digamos, sinceramente, chegaram a fazer de alguém de seu meio, Presidente do país, Luiz Inácio Lula da Silva. Foi uma virada de magnitude histórica.
Há dois projetos em ação: um é o neoliberal ainda vigente no mundo e no Brasil apesar da derrota de suas principais teses na crise econômico-financeira de 2008. Esse nome visa dissimular aos olhos de todos, o caráter altamente depredador do processo de acumulação, concentrador de renda que tem como contrapartida o aumento vertiginoso das injustiças, da exclusão e da fome. Para facilitar a dominação do capital mundializado, procura-se enfraquecer o Estado, flexibilizar as legislações e privatizar os setores rentáveis dos bens públicos.

O Brasil sob o governo de Fernando Henrique Cardoso embarcou alegremente neste barco a ponto de no final de seu mandato quase afundar o Brasil. Para dar certo, ele postulou uma população menor do que aquela existente. Cresceu a multidão dos excluídos. Os pequenos ensaios de inclusão foram apenas ensaios para disfarçar as contradições inocultáveis.

Os portadores deste projeto são aqueles partidos ou coligações, encabeçados pelo PSDB que sempre estiveram no poder com seus fartos benesses. Este projeto prolonga a lógica do colonialismo, do neocolonialismo e do globocolonialismo, pois sempre se atém aos ditames dos países centrais.

José Serra do PSDB representa esse ideário. Por detrás dele estão o agrobusiness, o latifúndio tecnicamente moderno e ideologicamente retrógrado, parte da burguesia financeira e industrial. É o núcleo central do velho Brasil das elites que precisamos vencer pois elas sempre procuram abortar a chance de um Brasil moderno com uma democracia inclusiva.

O outro projeto é o da democracia social e popular do PT. Sua base social é o povo organizado e todos aqueles que pela vida afora se empenharam por um outro Brasil. Este projeto se constrói de baixo para cima e de dentro para fora.

Que forjar uma nação autônoma, capaz de democratizar a cidadania, mobilizar a sociedade e o Estado para erradicar, a curto prazo, a fome e a pobreza, garantir um desenvolvimento social includente que diminua as desigualdades. Esse projeto quer um Brasil aberto ao diálogo com todos, visa a integração continental e pratica uma política externa autônoma, fundada no ganha-ganha e não na truculência do mais forte.

Ora, o governo Lula deu corpo a este projeto. Produziu uma inclusão social de mais de 30 milhões, e uma diminuição do fosso entre ricos e pobres, nunca assistido em nossa história. Representou em termos políticos uma revolução social de cunho popular, pois deu novo rumo ao nosso destino. Essa virada deve ser mantida, pois faz bem a todos, principalmente às grandes maiorias, pois lhes devolveu a dignidade negada.

Dilma Rousseff se propõe garantir e aprofundar a continuidade deste projeto que deu certo. Muito foi feito, mas muito falta ainda por fazer, pois a chaga social dura já há séculos e sangra.

É aqui que entra a missão de Marina Silva com seus cerca de vinte milhões de votos. Ela mostrou que há uma faceta significativa do eleitorado que quer enriquecer o projeto da democracia social e popular. Esta precisa assumir estrategicamente a questão da natureza, impedir sua devastação pelas monoculturas, ensaiar uma nova benevolência para com a Mãe Terra. Marina em sua campanha lançou esse programa. Seguramente se inclinará para o lado de onde veio, o PT, que ajudou a construir e agora a enriquecer. Cabe ao PT escutar esta voz que vem das ruas e com humildade saber abrir-se ao ambiental. Sonhamos com uma democracia social, popular e ecológica que reconcilie ser humano e natureza para garantir um futuro comum feliz para nós e para a humanidade que nos olha cheia de esperança.

Leonardo Boff é Teólogo, filósofo e escritor.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

"Marina, morena Marina, você se pintou"


"Marina, morena Marina, você se pintou" - diz a canção de Caymmi.
Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher,
militante, ecológica e socialmente comprometida com o "grito da Terra e o
grito dos pobres", como diz Leonardo.

Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que
é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais
e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz
respeito a escolhas partidárias?

Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não
pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de
que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam
aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação.
A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula
contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as "famiglias" que controlam
a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também
quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.

Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava
fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por
Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção
de voto em sua candidata. Mas "os filhos das trevas são mais espertos do
que os filhos da luz". Sacaram da manga um ás escondido. Usar a Marina
como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo
para a guerra suja.


Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. "Azul
tucano". Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto
aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes
meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, o
Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram,
e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais.

Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não
cansa de propagar a "vitória da Marina". Não aceite esse presente de
grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua
luta e contra quem ela se dirige.

"Marina, você faça tudo, mas faça o favor": não deixe que a pintem de azul
tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se
iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que
não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você
"tanto faz". Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula
não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem
"esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele".

Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de
nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa
dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. "Marina,
você já é bonita com o que Deus lhe deu".

[1] Professor de filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia
(Mercuryo Jovem), dentre outros.

Nanci Alves
Jornal de Opinião
Rede Catedral de Comunicação Católica
nancialves@pucminas.br ou jopiniao@arquidiocesebh.org.br

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

“O voto evangélico vai decidir o 2º turno”. Entrevista especial com Rudá Ricci



Assim que o resultado das eleições foi anunciado, Rudá Ricci conversou, por telefone, com a IHU On-Line. Ele, que passou o dia analisando as novidades do pleito, afirmou que não esperava o resultado que se deu nas urnas. “O que eu achava, mas não esperava, era que se tivesse segundo turno, era porque faltaria um por cento para Dilma chegar aos 50%. Isso porque a Dilma tinha estancado sua queda e o Serra estacionou. O que alterou essa perspectiva foi o resultado de dois estados brasileiros: Minas Gerais e Paraná”, explicou.

Marina foi a grande surpresa. Ela ganhou colégios eleitorais importantes e inesperados, como Belo Horizonte, e isso mudou totalmente o quadro que as pesquisas indicavam. Jovens, mulheres indecisas e, sobretudo, os evangélicos elevaram a porcentagem de votos da candidata do PV e, por isso, avalia, é o voto conservador que vai definir o segundo turno. “O voto dos evangélicos é muito fiel à estrutura da igreja e não apenas a sua religiosidade. Então, para onde forem os bispos e pastores, o voto vai junto. Lula até tem um acordo político com parte deles, mas esse acordo não valeu agora”, reflete.

Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela PUC-SP. É mestre em Ciência Política e o doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Atua como consultor no Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal e do Instituto de Desenvolvimento. É diretor do Instituto Cultiva e professor da Universidade Vale do Rio Verde e da PUC-Minas.

Confira a entrevista.
IHU On-Line – Esse resultado era esperado?
Rudá Ricci – Não, de maneira alguma eu esperava. O que eu achava, mas não esperava, era que se tivesse segundo turno, era porque faltaria um por cento para Dilma chegar aos 50%. Isso porque a Dilma tinha estancado sua queda e o Serra estacionou. O que alterou essa perspectiva foi o resultado de dois estados brasileiros: Minas Gerais e Paraná. A vitória de Beto Richa puxou votos sozinho, porque no Senado ganharam Requião e Gleisi. Então essa “puxada” de votos no final, que fez ele ganhar no primeiro turno, possivelmente gerou um impacto, do ponto de vista eleitoral, no Paraná. Passei recentemente pelo estado e percebi que havia uma situação muito confusa, os eleitores falavam isso, não entendiam como o Richa fez acordo com o Osmar Dias e depois brigaram.

Aqui em Minas foi uma situação muito surpreendente. Para se ter uma ideia, em Belo Horizonte, a Marina venceu a Dilma e o Serra. Ela fez 41% dos votos. É a mesma votação que ela fez no Distrito Federal. O impacto da vitória da Marina é muito maior porque as duas maiores lideranças do PT em Minas, o Fernando Pimentel e Patrus Ananias, foram derrotados neste pleito. O PT sai esfacelado daqui de Minas Gerais. E Marina aparece com uma força política enorme pelo voto dos evangélicos, dos jovens e das mulheres indecisas que votaram nela no final. Essa é a grande novidade que não esperávamos nem de longe. Você via o voto evangélico nesses últimos dias, mas não nessa pujança que vimos no final.

IHU On-Line – O que esperar do segundo turno?
Rudá Ricci – Bom, primeiro precisamos ver o que a Marina vai fazer. Ela é a balança. Marina já tinha anunciado que, se houvesse segundo turno e ela não chegasse, não apoiaria nem um nem outro. Porém, se ela cai fora, a questão é: para onde vão essas três fatias, os jovens, as mulheres indecisas e, principalmente, os evangélicos, que votaram nela? Estes, em termos de massa de votos, são os mais importantes. Agora há pouco o Ricardo Noblat postou uma nota no Twitter dizendo que o Índio da Costa está abrindo mão da vice-presidência da chapa do Serra para que o Fernando Gabeira assuma no seu lugar. Isso é um fato novo, mas Gabeira pode assustar muito o voto evangélico. Mas essa nota mostra que a novidade, nesse momento, está nas mãos do Serra e não da Dilma. Só o apoio da Marina pode aumentar os votos da Dilma. E o Serra tem todo um espectro político-eleitoral em segmento social que ele não tinha e pode acrescentar. Então, para mim, a soma dos votos está zerada.

IHU On-Line – A soma dos votos de Serra e Marina está além do total de votos de Dilma. Este eleitor que não está satisfeito com nenhum dos candidatos que vão para o segundo turno pode ser conquistado com que tipo de discurso?
Rudá Ricci – A questão está com os evangélicos. O IBGE estima que em cinco anos os protestantes significarão 50% da população brasileira que declara sua religião. É um segmento em ascensão no país. Outra característica: é um voto em bloco. O voto dos evangélicos é muito fiel à estrutura de suas igrejas e não apenas à sua religiosidade. Então, para onde forem os bispos e pastores, o voto vai junto. Lula até tem um acordo político com parte deles, mas esse acordo não valeu agora. Vamos ver o que o Lula fará em relação a esse agrupamento político.

O discurso que o conquistará, portanto, é conservador. Esse eleitorado é conservador: contra o aborto, contra o casamento homossexual, contra qualquer característica da ciência acima da fé, está a favor da família. Este grupo é conservador nos seus hábitos, inclusive na vestimenta. Nesse caso, os dois candidatos não têm perfil que facilite essa aproximação com os conservadores. Então, de novo, é o acordo formal com as igrejas que vai definir essa aliança. Os próximos 15 dias definem a eleição.

IHU On-Line – Plínio de Arruda conseguiu atingir o seu objetivo de discutir o que “não era dito”?
Rudá Ricci – Plínio saiu maior do que o partido e maior do que seu próprio discurso. O Plínio, para alguns, é um senhor que fala o que quer, muito inteligente, mas sem peso político. Ele é um senhor respeitado, que foi muito engraçado, mas não politizou mais o país.

IHU On-Line – Dado os resultados, qual a sua visão da presença do lulismo?
Rudá Ricci – Ele ganha uma bancada gigantesca no Congresso Nacional. Lula tem uma inserção importante no Nordeste e em quase todo país. Você pode abrir o mapa das eleições e ver que a Dilma ganhou em quase todo país. Ganhou no Rio de Janeiro, em todo Nordeste, Paraná, Rio Grande do Sul. Lula, sai, portanto, forte. Agora, vamos ver como ele vai jogar. Acredito que ele vá jogar muito pesado. Ele sabe, como todo líder pragmático, que lhe falta o voto dos evangélicos.

domingo, 3 de outubro de 2010

''Gaia sagrada'': as relações entre ecologia, feminismo e cristianismo. Entrevista especial com Anne Primavesi


A hipótese Gaia, ou a Teoria de Gaia, propõe que a biosfera e as demais esferas físicas da Terra estejam intimamente integradas de modo a formar um complexo sistema interagente estável. Na visão da teóloga inglesa Anne Primavesi, a partir de seus estudos conjuntos com o autor da Teoria de Gaia, James Lovelock, Gaia (ou Mãe Terra, Pachamama etc.) é sagrada, assim como suas inter-relações, que moldam aquilo que somos.

“Uma valorização gaiana da criação vê as coisas como elas realmente são, como todos os seres vivos dependem uns dos outros tanto no tocante à possibilidade da vida quanto à sua qualidade”, afirma Primavesi. Por isso, na teologia coevolutiva, cada organismo é valorizado pelo que é em si mesmo.
Porém, a partir de uma perspectiva ecofeminista, a teóloga reconhece que “as mulheres e a natureza têm sido tradicionalmente rebaixadas e ignoradas numa concepção hierárquica do mundo”. A partir dessa concepção, “todos os seres não humanos podem ser usados e abusados para esse fim”, afirma ela, em entrevista gentilmente concedida por e-mail à IHU On-Line, em um delicado período de recuperação pós-operatório.

“Nós agora temos de lidar com os efeitos do patriarcado e da desvalorização religiosa dos ‘corpos’ não só sobre as mulheres, crianças e povos indígenas, mas também sobre o corpo da Terra”. Isso exige uma “mudança no clima religioso”, defende. Nesse sentido, como resposta a uma das perguntas desta entrevista, Primavesi enviou à IHU On-Line, com exclusividade, seu “Manifesto pelo Ecofeminismo”, que aqui publicamos pela primeira vez em português. A tradução é de Luís Marcos Sander.

Anne Primavesi é teóloga inglesa, doutora em teologia sistemática, especializada em questões ecológicas. Membro do Centro de Estudos Interdisciplinares da Religião, do Birkbeck College, University of London, já lecionou na Bristol University. É autora de vários livros, incluindo Sacred Gaia (2000), Gaia's Gift: Earth, Ourselves and God after Copernicus (2003) e Gaia and Climate Change: a Theology of Gift Events (2009). Em português, publicou Do Apocalipse ao Gênesis: Ecologia, Feminismo e Cristianismo (Paulinas, 1996). Após conhecer o cientista James Lovelock, criador da Teoria de Gaia, Primavesi colaborou com ele no primeiro curso do Schumacher College sobre a Teoria de Gaia, em 1991.

Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em seu livro Sacred Gaia (sem tradução para o português), a senhora discute a teologia a partir de uma perspectiva coevolutiva. A que se refere?

Anne Primavesi – A teologia tradicional classifica tudo numa hierarquia de importância, sendo que a parte superior dela está mais próxima de Deus, e a inferior, mais distante. Uma perspectiva coevolutiva surge de uma compreensão mais profunda e de uma valorização da forma como todos os seres vivos vêm a existir e mantêm sua existência através de uma interligação e interdependência ineludível.

Na teologia coevolutiva:

• cada organismo é valorizado pelo que é em si mesmo;
• o valor de cada organismo “importa” em relação ao todo;
• cada entidade é um ser singular e, por conseguinte, essencialmente inclassificável em graus;
• o valor intrínseco de cada uma se baseia na gratuidade do amor de Deus por ela;
• cada uma está presente e vívida na memória de Deus;
• o valor das criaturas não humanas não reside na forma como contribuem para a qualidade da vida humana; cada uma tem direito à sua própria qualidade de vida;
Como diz o poema, “eu pedi que a árvore me falasse sobre Deus, e ela floresceu”.

IHU On-Line – Ao analisar a relação entre as mulheres e a ecologia, a senhora apresenta as ideias de uma ordem hierárquica e de uma ordem “Gaiana”. Qual é a contribuição do feminino para o cuidado da Criação?

Anne Primavesi – Ao longo das últimas décadas, as ecofeministas expressaram claramente como as mulheres e a natureza têm sido tradicionalmente associadas ao serem rebaixadas e ignoradas numa concepção hierárquica do mundo.

Nessa concepção, os homens estão sujeitos a Deus, as mulheres sujeitas aos homens, os animais sujeitos a ambos, e a própria terra é, simplesmente, o lugar onde nós, seres humanos, realizamos nossa salvação e esperamos o céu. Numa concepção hierárquica, todos os seres não humanos podem ser usados e abusados para esse fim. Esse ordenamento hierárquico valida, conscientemente ou não, relações violentas.

Uma valorização gaiana da criação vê as coisas como elas realmente são, como todos os seres vivos dependem uns dos outros tanto no tocante à possibilidade da vida quanto à sua qualidade. Rotineiramente, talvez não estejamos conscientes do presentear essencial por parte dos muitos seres que possibilitam que nós tenhamos vida. Mas uma consciência mais profunda desse presentear nos refreará para não cometermos excessos de egoísmo e violência que prejudicam a terra, que é o lar de todos os seres vivos.

IHU On-Line – Qual é o impacto das mudanças climáticas sobre a fé e a prática das nossas igrejas hoje? Qual é o papel dos cristãos nesse contexto específico?

Anne Primavesi – A ciência que forma nossa compreensão da mudança climática mostra quão profundamente a humanidade afetou o equilíbrio da vida na terra. Além da perda da biodiversidade, ela adverte que a sobrevivência da própria humanidade corre risco. Isso desafia o pensamento e a prática das igrejas.

Em termos de pensamento, temos de aprender a:

• nos ver e expressar como parte de toda a comunidade da vida na terra;
• ver e tratar a terra como um lar;
• aprender e demonstrar compaixão e respeito por todas as criaturas;
• em encontros litúrgicos, responder com um agradecimento formal, gratidão e respeito pelas dádivas que nos são dadas por todos os seres vivos e tornam possível nossa vida.
Em termos de prática, temos de aprender a:
• descobrir e responder ao valor intrínseco de toda a Criação;
• resistir ao imperialismo, consumismo, colonialismo e violência em nosso pensamento;
• aprender a humildade ecológica, um reconhecimento de nossa dependência do trabalho das muitas criaturas não humanas que mantêm limpo o ar, potável a água e nos fornecem os alimentos que comemos.

IHU On-Line – Em sua opinião, por trás da crise climática, há também uma crise ética e espiritual? Perdemos a nossa capacidade de conviver com os demais seres vivos da Criação?
Anne Primavesi – Não podemos separar o espiritual do ético, ou o social do ecológico. Só podemos fazer essas separações na linguagem, não na realidade. Como pessoa, eu ajo a partir da totalidade de meu ser. As tarefas são as seguintes:

• falar sobre nós mesmas de maneiras que não pressuponham que essa espécie de separação linguística descreva as coisas assim como elas são;
• mediar entre as ideias e a ação, o abstrato e o real.

Por exemplo, quando comemos, não deveríamos simplesmente abençoar a comida. Deveríamos reconhecer que a comida abençoa a nós e responder dando graças por isso. Antes de agradecer a Deus pela comida, deveríamos identificar e estar conscientes daqueles e daquelas cujo trabalho e cuja vida tornam possível que comamos agora e agradecer a eles e elas. E isso não apenas em palavras, mas na forma como vivemos, esperando que eles e elas tenham espaço para vicejar e não os/as considerando simplesmente meios para nossos próprios fins humanos.

IHU On-Line – O “Tempo para a Criação” de 2010 está relacionado com a campanha 10:10:10, que será o dia com o maior número de ações positivas contra as ações climáticas. A partir de que motivações teológicas ou bíblicas essa relação entre fé e ecologia pode crescer ainda mais?
Anne Primavesi – Essas coisas devem ser descobertas e expressas por cada pessoa e cada comunidade. Espero ter notícias das formas de fazer isso que vocês venham a criar durante esse período! O que vocês nos disserem sobre o que encontraram será o presente que darão a todas e todos nós.
Penso que o Manifesto pelo Ecofeminismo (1) poderá ajudar nesse sentido.

Ecofeminismo

Definição
O termo “ecofeminismo” foi cunhado pela autora francesa Françoise d’Eaubonne e apresentado em seu livro Le féminisme ou la mort, publicado em 1974. Ela o usou para designar um tipo específico de movimento ecológico em que a consciência da opressão das mulheres é a principal força motriz.

Características
a) O discurso ecofeminista reúne visões feministas e política ecológica, com base na percepção de que há ligações entre a dominação de pessoas e a dominação da natureza não humana. Ele toma a crítica feminista das relações humanas e a coloca lado a lado com uma análise das relações entre seres humanos e não humanos.

b) As ecofeministas usam uma perspectiva ecológica para apontar em direção à ausência de hierarquia na Natureza e contrapor isto à presunção cultural, comumente aceita, de que uma espécie, a humana, tem o direito de dominar todas as outras.

c) O fato é que nós, seres humanos, não temos condições de viver à parte do resto da Natureza. Cada um de nós está internamente relacionado com todos os aspectos de nosso meio ambiente, e essa relação faz parte do que somos. Inspirando o ar, nós recebemos. Expirando-o, devolvemos. As ciências naturais nos deram informações sobre o meio ambiente global mais amplo: sobre a camada de ozônio, a chuva ácida, o desmatamento e a desertificação e as emissões de dióxido de carbono na atmosfera. Essas informações mostram não só que a Natureza poderia viver inteiramente feliz sem nós, e de fato seria muito mais feliz sem nossa interferência nela. Ao mesmo tempo, estamos ficando cada vez mais conscientes de que o inverso não é verdade: nós não podemos viver fora dos sistemas naturais que sustentam a vida.

d) As descrições culturais masculinas de nós mesmos como seres que estão “fora de” ou “no controle”, não só do meio ambiente, mas também de outros seres vivos nele, foram, entrementes, contestadas, porém não eliminadas. Ao longo de toda a histórica humana ocidental, as mulheres foram rotineiramente classificadas como escravas e tratadas como tais. Isto veio à tona com o movimento público pela emancipação das mulheres. Ele começou nos Estados Unidos com o movimento pela emancipação dos escravos, com a luta por seus direitos a seu próprio corpo, a seus filhos e à propriedade que viessem a adquirir. Então as mulheres se deram conta de que elas também não tinham esses direitos.

Esta lição foi compreendida claramente em 1840, na Convenção Mundial contra a Escravidão realizada em Londres. Elizabeth Cady Stanton e Lucretia Mott, junto com outras delegadas americanas, foram relegadas às galerias na condição de “observadoras”. Indignadas, elas realizaram uma conferência em 1848, em Seneca Falls, para tratar “da condição e dos direitos sociais, civis e religiosos das mulheres”. Os povos indígenas também não têm tido esses direitos. Até 1967, os aborígenes australianos eram juridicamente classificados como “flora e fauna”, isto é, como incapazes de passar da natureza para a cultura.

e) Essa desvalorização das mulheres e dos povos indígenas aconteceu numa cultura secular dominada por uma imagem dos seres humanos (ou, mais precisamente, dos homens) como “mentes”, e numa cultura religiosa dominada por homens que entendiam que seu “espírito” e sua mente controlavam não só seus próprios corpos, mas também, por extensão, os corpos das mulheres, das crianças, dos povos indígenas e, naturalmente, de toda a Natureza material. Isto remonta ao mito da criação de Platão, o Timeu. Sua desvalorização da corporalidade se arraigou no ensino cristão e atingiu seu ápice no conceito do pecado supostamente corporificado em Eva. A mentalidade platônica e a cristã se juntam numa passagem do Apocalipse (lida na festa do dia de Todos os Santos) a respeito dos 144 mil que serão salvos (Apocalipse 7, 1ss.; 14, 1-5). A passagem de Apocalipse 14, 4 sintetiza o ideal a que todos e todas nós deveríamos supostamente aspirar! Entretanto, sabemos que o espiritual só está vivo em nós onde o espírito e a matéria, a mente e o corpo fazem todos parte do mesmo organismo vivo. Nenhum aspecto tem precedência sobre outro, pois eles só podem funcionar juntos como um todo vivo.

f) Há um outro fator nessa história, “a regra dos fisicamente mais fortes”, que liga a sujeição das mulheres com a sujeição da Terra até o presente. Eu o chamo de “militarismo econômico”. Bismarck estava descrevendo o militarismo quando disse que a única realidade política prática é o poder e a única fonte do poder é a força física, ou seja, a capacidade de matar e ferir. Essa “capacidade” era e é um importante e ainda crescente produto de exportação dos países do Norte econômico para os do Sul econômico, a maioria dos quais são ex-colônias. Pois ela era a força física que estava por trás da colonização europeia de outros continentes e sua concomitante cristianização. Atualmente assume a forma de um complexo militar-industrial que continua a crescer, a consumir recursos em todos os sentidos e a deixar a destruição ambiental em sua esteira. Mais uma vez, as mulheres, as crianças, os povos indígenas, os pobres e suas terras são as principais vítimas. O Conselho Mundial de Igrejas, em sua preparação para a Cúpula das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, estabeleceu ligações explícitas entre essas questões em seu programa Justiça, Paz e Integridade da Criação. As ligações delas com a Terra foram ignoradas no programa católico romano Justiça e Paz.

g) Em termos religiosos, o modelo do domínio dos mais fortes é apoiado pelo conceito de hierarquia ou “domínio sagrado”, que é endêmico no cristianismo e nas instituições culturais do Ocidente. De forma literal ou figurada, ele assume a forma de uma pirâmide ou da “Grande Cadeia do Ser”. Em ambas, o Espírito, Deus ou Inteligência não material (mas masculino!) constitui o pináculo e a fonte do poder. O poder flui dele para os homens, e deles para as mulheres, as crianças e os povos indígenas. “Debaixo” de todos esses seres e sujeita a todos os “de cima” está a Terra.

h) As sociedades e instituições hierárquicas valorizam os seres de acordo com a posição que ocupam na pirâmide ou cadeia: Deus/Espírito/Inteligência no topo, e as mulheres, as crianças e a Terra na parte de baixo. Elas estão sujeitas, em termos religiosos e institucionais, ao poder vindo “de cima”, exercido em nome de um Deus todo-poderoso.

Implicações
Todas as características descritas acima ainda podem ser discernidas em nossa atual cultura secular e religiosa. Elas causam impacto sobre nossa autocompreensão e sobre o que é tido como opiniões e comportamentos aceitáveis. Uma conhecida afirmação de Dom Helder Câmara serve como forma de ilustrar esse efeito. Disse ele: “Se dou comida aos pobres, chamam-me de santo. Se pergunto por que os pobres não têm comida, chamam-me de comunista/marxista”.

Isso pode servir de base metodológica para as críticas ecofeministas:
• se trabalho pelos direitos das mulheres, sou uma militante em defesa dos direitos humanos. Se pergunto por que as mulheres, as crianças e os escravos não têm esses direitos, sou uma filósofa feminista;
• se crio refúgios para mulheres vítimas de maus-tratos ou para vítimas da guerra, sou uma assistente social. Se pergunto por que os abrigos são necessários, sou uma filósofa ética feminista;
• se estudo a posição das mulheres ao longo da história do cristianismo, sou uma historiadora da Igreja. Se pergunto por que elas foram mantidas nessa posição, sou uma teóloga feminista;
• se estudo as inter-relações entre mulheres, povos indígenas e movimentos ecológicos, sou uma cientista social. Se pergunto por que essa inter-relação se baseou na desvalorização e na violência para com os corpos das mulheres e dos povos indígenas e contra o corpo da Terra, sou uma filósofa ecofeminista;
• se faço todas essas perguntas e pergunto que papel o cristianismo desempenhou nisso, sou uma teóloga ecofeminista.

O patriarcado, o domínio dos Pais [Padres], não foi acrescentado à formulação da doutrina cristã. Ele foi introduzido na formulação das próprias doutrinas.

Nós agora temos de lidar com os efeitos do patriarcado e da desvalorização religiosa dos “corpos”, não só sobre as mulheres, crianças e povos indígenas, mas também sobre o corpo da Terra. Esses efeitos são o que passamos a conhecer como “mudança climática”. Eles também exigem uma mudança no clima religioso.

Nota:

1.- O texto, de autoria de Anne Primavesi, foi apresentado na conferência anual da European Network Church on the Move, em Londres, 2009. O manifesto é inédito no Brasil e foi enviado pela autora à redação da IHU On-Line (Nota da IHU On-Line).