quarta-feira, 26 de maio de 2010

Religiosas: a nova liderança católica


Publicamos aqui o editorial da versão impressa do jornal norte-americano National Catholic Reporter, em sua edição do dia 28 de maio de 2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Humanitas Unisinos

Antes que as mulheres da Leadership Conference of Women Religious sentassem para suas reuniões em agosto passado, em Nova Orleans, elas lotaram ônibus e passaram meio dia visitando suas irmãs locais, que estavam atendendo às necessidades dos desabrigados e necessitados por causa dos furacões e das inundações de 2005. As mulheres vieram para oferecer solidariedade, encorajar e conferir os frutos de mais de 8 milhões de dólares arrecadados por meio de seus esforços para uma série de projetos pastorais locais.

Quando as líderes religiosas de toda a Ásia e a Oceania se reuniram em outubro passado nos arredores de Bangkok, na Tailândia, para se reconectar, compartilhar histórias e levantar a moral umas das outras, elas encontraram tempo durante seu encontro para saber mais sobre as duas investigações do Vaticano de suas irmãs religiosas de todo o mundo nos Estados Unidos. As religiosas da Austrália e da Nova Zelândia tinham a maior parte das informações e compartilharam-nas com as asiáticas. Uma vez informadas, todo o grupo enviou uma breve carta para suas irmãs norte-americanas como sinal de apoio e solidariedade.

No início deste mês, quando cerca de 800 superioras gerais internacionais se reuniram em Roma, elas falaram sobre as formas por meio das quais as congregações mais ricas poderiam ajudar as mais pobres, muitas delas localizadas nas partes mais empobrecidas da África, da Índia e do Paquistão. Mais tarde, as mulheres trabalharam juntas em uma declaração, descrevendo suas intenções de fortalecer a União Internacional de Superioras Gerais (UISG), sob cujos auspícios se encontraram, para mais rapidamente compartilhar os desafios comuns e as necessidades locais.

Em uma sessão, a irmã de de Loretto Pat Murray, da Irlanda, e diretora executiva do projeto Solidarity With Southern Sudan [Solidariedade com o Sul do Sudão], falou sobre como 19 congregações religiosas, incluindo homens e mulheres, nos últimos dois anos, juntaram os recursos para prestar ajuda a um dos lugares mais miseráveis do planeta. O grupo agora treina professores e funcionários da saúde. No processo, elas esperam dar um exemplo que mostra como as pessoas podem superar línguas, nacionalidades e culturas para construir uma sociedade pacífica. No sul do Sudão, devastado pela guerra, a presença desse grupo inter-religioso único oferece exemplo e esperança.

Em outro dia, uma religiosa congolesa combinou os temas da conferência, misticismo e profecia, ao falar sobre o trabalho corajoso das religiosas africanas, mais de 200 das quais foram massacradas pelas milícias locais. Tendo a oportunidade de fugir diante de saqueadores armados, as mulheres repetidamente preferiam ficar com os habitantes locais. Sua fala destacou a imensa coragem de religiosas inspiradas, oferecendo uma nova determinação espiritual para aquelas que a ouviam.

Mais tarde, essa mulher, a irmã de Notre Dame de Namur Liliane Sweko explicou que sua visão da vida consagrada foi moldada em grande parte pelos escritos da irmã do Imaculado Coração de Maria Sandra Schneiders e da irmã beneditina Joan Chittister. Ela disse que só lamenta pelo fato de que todas as obras de Chittister ainda precisem ser traduzidas para o francês, a língua comum de muitas religiosas da África Ocidental e Central.

No entanto, se as religiosas norte-americanas inspiraram Sweko, ela agora estava inspirando-as com suas histórias terrenas de amor desinteressado. E vinda das Filipinas, a Irmã do Cenáculo Judette Gallares estava igualmente inspirando as demais em uma palestra em que ela usou o exemplo de Lídia, uma cristã primitiva convertida, como alguém que ajudou a transformar vidas, recusando-se a viver de acordo com as normas tradicionais que excluíam os dons das mulheres.

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O que foi dito acima são apenas alguns olhares furtivos por trás das cortinas de uma história magnífica e não noticiada da Igreja. É uma história repleta de esperança, ainda muito enterrada sob o episódio agora amplamente noticiado do abuso sexual do clero e do encobrimento episcopal.

O núcleo da história dessa história da Igreja do século XXI é o surgimento da irmandade mundial entre as congregações femininas. É a história das congregações religiosas femininas e de suas líderes que se unem em solidariedade, cruzando linhas nacionais, culturais e linguísticas por uma causa comum. É a história de mulheres que estão cada vez mais conectadas, eletrônica e espiritualmente, impulsionadas pelo convite dos Evangelhos e pelos ensinamentos do Concílio Vaticano II. É a história de religiosas, que, por escolha e necessidade, pararam de competir por vocações e locais de missão e estão, ao contrário, trabalhando juntas, com hábitos tradicionais ou vestes locais, para trazer consolo ao sofrimento do mundo.

É a história de mulheres, marginalizadas dentro de sua própria instituição, ensinando outras mulheres a como superar o preconceito e a viver fora dele. É a história de espíritos autogenerativos que decidiram estabelecer seus próprios trajetos cristãos. É a história de como a educação empodera, e de como os estudos escriturais e teológicos libertaram as mulheres em todo o mundo. É a história de fomentadoras que usam a intuição e o conhecimento para responder à criação de Deus, agora sob um ataque estúpido. É, na verdade, uma velha história estabelecida em um novo século: religiosas que respondem mais uma vez às alegrias e esperanças, tristezas e angústias do povo de Deus.

Essa história não poderia ter alcançado uma forma (nem poderia ser reunida para ser contada) sem a Internet. As missões mais remotas do mundo têm agora páginas de Internet específicas. Algumas das religiosas mais isoladas podem se manter em contato com as suas irmãs em lugares distantes através do e-mail. Ideias e experiências são facilmente compartilhadas on-line ou em encontros. Planos podem ser pensados. Mais de 600.000 religiosas em todo o mundo estão agora conectadas em rede.

O que surgiu, sem intenção e aparentemente pela omissão de um episcopado paralisado, é uma estrutura de liderança paralela dentro da igreja. Essas mulheres de oração refletiram profundamente sobre suas almas e as constituições de suas congregações e, empoderadas umas pelas outras, estão chegando mais longe do que jamais poderiam ter imaginado.

Elas vivem sem ilusão. Elas sabem que não têm lugar oficial na mesa só para homens em torno da qual as decisões são tomadas. Assim, em vez de se sentirem enfraquecidas, elas aprenderam a arte do autoempoderamento. Ricas em determinação, elas prosseguem seus trabalhos, muitas vezes não reconhecidos por aqueles que estão na liderança oficial, que deveriam regar as mulheres com honras.

Em vez disso, é claro, as religiosas norte-americanas enfrentam duas investigações do Vaticano.

A realidade de sua posição dentro da Igreja foi dramatizada no encontro mundial de religiosas deste mês. Como as líderes de todas as 800 congregações religiosas femininas representadas em Roma se reportam canonicamente ao cardeal esloveno Franc Rodé, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, o prelado lhes enviou uma mensagem dizendo que seria "impossível" para ele participar do encontro que ocorre uma vez a cada três anos, que foi realizado a cerca de cinco quilômetros do seu escritório. Na agenda das religiosas para o último dia, um programa que foi planejado há anos, havia uma audiência com o Papa Bento XVI. No entanto, ele a cancelou, tendo decidido visitar Portugal, o que incluía uma visita bem divulgada ao santuário de Nossa Senhora de Fátima.

O que mantém essa situação longe de ser totalmente trágica são as próprias mulheres e sua compreensão cheia de fé sobre a dinâmica bíblica da grande força que emerge dos que não têm poder.

Prestar atenção aos ministérios das religiosas da nossa Igreja é ouvir uma articulação crescentemente mais clara do que significa ser cristão no século XXI. Essas mulheres estão reivindicando suas experiências como chamados sagrados e, ao fazer isso, estão incentivando todos nós a viver as nossas vocações cristãs, independentemente das adversidades que isso possa envolver.

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