segunda-feira, 31 de maio de 2010

As duas culturas das religiosas


Mau interpretada como "feminismo radical", a fidelidade das religiosas ao Concílio Vaticano II levou à atual investigação das ordens religiosas dos EUA por Roma, "o esforço mais recente e amplo para sufocar um movimento dentro da Igreja que se atreveu a afirmar a liderança das mulheres".

A análise é de Ken Briggs, ex-jornalista especializado em religião do The New York Times e atual colaborador do National Catholic Reporter, 24-05-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.
Tom Fox fez-nos um grande serviço ao cobrir vários encontros de religiosas, tanto nos Estados Unidos quanto em todo o globo. Seu editorial desta semana destaca a notável vitalidade e perseverança que têm oferecido à Igreja Católica exemplos de compaixão e sacrifício em prol dos "últimos dentre nós". No meio de uma das horas mais escuras do catolicismo, as religiosas continuam produzindo luz, lembrando as pessoas da Igreja que existe uma dimensão do cristianismo que infelizmente está faltando em relatos da imprensa sobre o escândalo.

As irmãs ilustram a sábia observação do Papa João XXIII no início do Vaticano II de que os Evangelhos pedem o "remédio da misericórdia e não o da severidade". O Concílio foi vento nas velas de seus navios, e elas remodelaram seus ministérios para ir ao encontro das necessidades da modernidade.

O problema foi que elas logo correram para baixo de um teto de vidro. Importantes segmentos do poder clerical masculino ficaram alarmados com o entusiasmo das irmãs por renovação, interpretado como "feminismo radical", e tomaram algumas duras medidas para reverter isso. A atual investigação das ordens religiosas dos EUA por Roma é o esforço mais recente e amplo para sufocar um movimento dentro da Igreja que se atreveu a afirmar a liderança das mulheres.

As religiosas geraram uma cultura teológica que fomentou mutualidade, dignidade, justiça, liberdade, diferentes modelos de oração e de culto e uma perspectiva que sugeriu que a velha ordem da superioridade masculina precisava acabar.

A oposição a elas veio em grande parte daquela velha ordem que sempre combate a mudança, assim como todo "establishment" faz.

O crescimento da unidade e do compromisso das irmãs ao redor do mundo, que Fox descreve – possibilitado pela Internet, dentre outras coisas – é algo a ser celebrado, especialmente porque seus beneficiários são aqueles que sofrem. É uma extensão das obras de bondade que as irmãs têm realizado durante séculos. É o espírito que fundou e manteve as escolas, os hospitais e agências de serviço social católicos para atender as crises de imigrantes e de outras pessoas pobres deste país.

As religiosas impulsionam tudo isso, apesar de terem sido colocados do lado de fora do aparato de tomada de decisões da Igreja, de lhes terem sido negados todos os cargos clericais e de sempre terem estado sujeitas ao veto das autoridades masculinas. Elas merecem um imenso crédito por causa disso.

Crescentemente, aqueles que defendem as humilhações cometidas contra as religiosas citam essa dedicação aos mais necessitados para reforçar seus argumentos contra Roma. É irônico em certo sentido, já que algumas das mesmas pessoas que justificadamente louvam os atos de compaixão das irmãs não se dispuseram tanto a protestar contra o estereótipo das "freiras más".

Na minha experiência, quase todos os nascidos depois da Segunda Guerra Mundial e católicos têm uma história sobre uma freira má guardada na manga. Tornou-se uma lenda urbana, geralmente o tipo de fofoca repassada por pessoas que na verdade não vivenciaram isso por si mesmas, mas que "ouviram" de alguém. Para mim, a principal causa desse triste fenômeno é uma projeção sexista, um extravasamento de insatisfação daqueles que, em geral, não podiam se defender.

E, sem querer defender a maldade, as religiosas que eram assim provavelmente tinham uma boa razão, dadas as vidas restritivas que tinham. Além disso, minha impressão é de que os puxões de orelha e as "reguadas" eram aprovadas pelos pais como uma disciplina apropriada. Caso contrário, por que os pais não deram um fim nisso?

Mas estou divagando.

O outro lado da história que Fox relata, a inspiração que surge da consciência despertada e descoberta, é que tudo isso está ocorrendo dentro dos limites impostos pela cultura antiga. O aumento da liderança parece chegar até aí. As irmãs, sem dúvida, têm suas próprias razões prudentes para evitar protestar contra o sistema que ainda as encerra, mas, com raras exceções, não. Eles optaram por fazer coisas maravilhosas dentro de uma Igreja que oficialmente se recusa até a discutir a ordenação de mulheres ou incluir as mulheres no círculo interno dos conselhos da Igreja, de qualquer forma significativa.

O amor é o evangelista cristão mais poderoso. Perto dele, as estruturas eclesiásticas falam apenas modestamente a seu respeito. No melhor e no pior dos casos, refletem a sórdida condição humana.

Mas as religiosas também existem nesse sistema que, tenho coragem para dizer, lamentavelmente limita a sua liberdade e pode dar um exemplo confuso para os jovens homens e mulheres católicos sobre a natureza da feminilidade católica. Religiosas não pensam ou agem monoliticamente, é claro. Esse é o estereótipo. Muitas, no entanto, fazem seu ministério a partir de uma consciência íntima de uma liberdade que, como diz Jesus, o mundo não pode dar nem tirar. As religiosas manifestam isso em grande medida.

O exercício dessa liberdade no chamado do Evangelho a atender às necessidades do mundo é verdadeiramente exemplar. Mas, em si mesmo, eu não acho que isso constitua o que Fox chama de "estrutura de liderança paralela" em termos de ensinamentos e políticas que guiam a Igreja.

Essa é uma aspiração que levanta um confronto imediato com a ordem estabelecida que rejeita categoricamente qualquer noção dessas por razões que fazem sentido a qualquer pessoa que já viu estilos de liderança conflitantes tentando coexistir. De fato, o Vaticano tem uma boa razão para gostar da forma como as coisas são: a Igreja obtém um crédito merecido pela benevolência das religiosas, os trabalhos concretos de amor que elas sempre ofereceram, sem que sua autoridade masculina seja contestada.

Essa é a razão pela qual pode ser necessário que as já sobrecarregadas religiosas superem os obstáculos enfrentados por cada mulher católica desafiando abertamente aqueles que os perpetuam. O recente encontro de superioras na Itália teve como tema inspirador "mística e profecia", para imaginar a continuação de suas missões de misericórdia e de espiritualidade. A outra dimensão da profecia, de Amós a Isaías, é dizer o "Não" da verdade de Deus aos abusos de poder.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Religiosas: a nova liderança católica


Publicamos aqui o editorial da versão impressa do jornal norte-americano National Catholic Reporter, em sua edição do dia 28 de maio de 2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Humanitas Unisinos

Antes que as mulheres da Leadership Conference of Women Religious sentassem para suas reuniões em agosto passado, em Nova Orleans, elas lotaram ônibus e passaram meio dia visitando suas irmãs locais, que estavam atendendo às necessidades dos desabrigados e necessitados por causa dos furacões e das inundações de 2005. As mulheres vieram para oferecer solidariedade, encorajar e conferir os frutos de mais de 8 milhões de dólares arrecadados por meio de seus esforços para uma série de projetos pastorais locais.

Quando as líderes religiosas de toda a Ásia e a Oceania se reuniram em outubro passado nos arredores de Bangkok, na Tailândia, para se reconectar, compartilhar histórias e levantar a moral umas das outras, elas encontraram tempo durante seu encontro para saber mais sobre as duas investigações do Vaticano de suas irmãs religiosas de todo o mundo nos Estados Unidos. As religiosas da Austrália e da Nova Zelândia tinham a maior parte das informações e compartilharam-nas com as asiáticas. Uma vez informadas, todo o grupo enviou uma breve carta para suas irmãs norte-americanas como sinal de apoio e solidariedade.

No início deste mês, quando cerca de 800 superioras gerais internacionais se reuniram em Roma, elas falaram sobre as formas por meio das quais as congregações mais ricas poderiam ajudar as mais pobres, muitas delas localizadas nas partes mais empobrecidas da África, da Índia e do Paquistão. Mais tarde, as mulheres trabalharam juntas em uma declaração, descrevendo suas intenções de fortalecer a União Internacional de Superioras Gerais (UISG), sob cujos auspícios se encontraram, para mais rapidamente compartilhar os desafios comuns e as necessidades locais.

Em uma sessão, a irmã de de Loretto Pat Murray, da Irlanda, e diretora executiva do projeto Solidarity With Southern Sudan [Solidariedade com o Sul do Sudão], falou sobre como 19 congregações religiosas, incluindo homens e mulheres, nos últimos dois anos, juntaram os recursos para prestar ajuda a um dos lugares mais miseráveis do planeta. O grupo agora treina professores e funcionários da saúde. No processo, elas esperam dar um exemplo que mostra como as pessoas podem superar línguas, nacionalidades e culturas para construir uma sociedade pacífica. No sul do Sudão, devastado pela guerra, a presença desse grupo inter-religioso único oferece exemplo e esperança.

Em outro dia, uma religiosa congolesa combinou os temas da conferência, misticismo e profecia, ao falar sobre o trabalho corajoso das religiosas africanas, mais de 200 das quais foram massacradas pelas milícias locais. Tendo a oportunidade de fugir diante de saqueadores armados, as mulheres repetidamente preferiam ficar com os habitantes locais. Sua fala destacou a imensa coragem de religiosas inspiradas, oferecendo uma nova determinação espiritual para aquelas que a ouviam.

Mais tarde, essa mulher, a irmã de Notre Dame de Namur Liliane Sweko explicou que sua visão da vida consagrada foi moldada em grande parte pelos escritos da irmã do Imaculado Coração de Maria Sandra Schneiders e da irmã beneditina Joan Chittister. Ela disse que só lamenta pelo fato de que todas as obras de Chittister ainda precisem ser traduzidas para o francês, a língua comum de muitas religiosas da África Ocidental e Central.

No entanto, se as religiosas norte-americanas inspiraram Sweko, ela agora estava inspirando-as com suas histórias terrenas de amor desinteressado. E vinda das Filipinas, a Irmã do Cenáculo Judette Gallares estava igualmente inspirando as demais em uma palestra em que ela usou o exemplo de Lídia, uma cristã primitiva convertida, como alguém que ajudou a transformar vidas, recusando-se a viver de acordo com as normas tradicionais que excluíam os dons das mulheres.

* * *

O que foi dito acima são apenas alguns olhares furtivos por trás das cortinas de uma história magnífica e não noticiada da Igreja. É uma história repleta de esperança, ainda muito enterrada sob o episódio agora amplamente noticiado do abuso sexual do clero e do encobrimento episcopal.

O núcleo da história dessa história da Igreja do século XXI é o surgimento da irmandade mundial entre as congregações femininas. É a história das congregações religiosas femininas e de suas líderes que se unem em solidariedade, cruzando linhas nacionais, culturais e linguísticas por uma causa comum. É a história de mulheres que estão cada vez mais conectadas, eletrônica e espiritualmente, impulsionadas pelo convite dos Evangelhos e pelos ensinamentos do Concílio Vaticano II. É a história de religiosas, que, por escolha e necessidade, pararam de competir por vocações e locais de missão e estão, ao contrário, trabalhando juntas, com hábitos tradicionais ou vestes locais, para trazer consolo ao sofrimento do mundo.

É a história de mulheres, marginalizadas dentro de sua própria instituição, ensinando outras mulheres a como superar o preconceito e a viver fora dele. É a história de espíritos autogenerativos que decidiram estabelecer seus próprios trajetos cristãos. É a história de como a educação empodera, e de como os estudos escriturais e teológicos libertaram as mulheres em todo o mundo. É a história de fomentadoras que usam a intuição e o conhecimento para responder à criação de Deus, agora sob um ataque estúpido. É, na verdade, uma velha história estabelecida em um novo século: religiosas que respondem mais uma vez às alegrias e esperanças, tristezas e angústias do povo de Deus.

Essa história não poderia ter alcançado uma forma (nem poderia ser reunida para ser contada) sem a Internet. As missões mais remotas do mundo têm agora páginas de Internet específicas. Algumas das religiosas mais isoladas podem se manter em contato com as suas irmãs em lugares distantes através do e-mail. Ideias e experiências são facilmente compartilhadas on-line ou em encontros. Planos podem ser pensados. Mais de 600.000 religiosas em todo o mundo estão agora conectadas em rede.

O que surgiu, sem intenção e aparentemente pela omissão de um episcopado paralisado, é uma estrutura de liderança paralela dentro da igreja. Essas mulheres de oração refletiram profundamente sobre suas almas e as constituições de suas congregações e, empoderadas umas pelas outras, estão chegando mais longe do que jamais poderiam ter imaginado.

Elas vivem sem ilusão. Elas sabem que não têm lugar oficial na mesa só para homens em torno da qual as decisões são tomadas. Assim, em vez de se sentirem enfraquecidas, elas aprenderam a arte do autoempoderamento. Ricas em determinação, elas prosseguem seus trabalhos, muitas vezes não reconhecidos por aqueles que estão na liderança oficial, que deveriam regar as mulheres com honras.

Em vez disso, é claro, as religiosas norte-americanas enfrentam duas investigações do Vaticano.

A realidade de sua posição dentro da Igreja foi dramatizada no encontro mundial de religiosas deste mês. Como as líderes de todas as 800 congregações religiosas femininas representadas em Roma se reportam canonicamente ao cardeal esloveno Franc Rodé, prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, o prelado lhes enviou uma mensagem dizendo que seria "impossível" para ele participar do encontro que ocorre uma vez a cada três anos, que foi realizado a cerca de cinco quilômetros do seu escritório. Na agenda das religiosas para o último dia, um programa que foi planejado há anos, havia uma audiência com o Papa Bento XVI. No entanto, ele a cancelou, tendo decidido visitar Portugal, o que incluía uma visita bem divulgada ao santuário de Nossa Senhora de Fátima.

O que mantém essa situação longe de ser totalmente trágica são as próprias mulheres e sua compreensão cheia de fé sobre a dinâmica bíblica da grande força que emerge dos que não têm poder.

Prestar atenção aos ministérios das religiosas da nossa Igreja é ouvir uma articulação crescentemente mais clara do que significa ser cristão no século XXI. Essas mulheres estão reivindicando suas experiências como chamados sagrados e, ao fazer isso, estão incentivando todos nós a viver as nossas vocações cristãs, independentemente das adversidades que isso possa envolver.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pastoral de eventos e pastoral de processo

Adital - Pe. Alfredo J. Gonçalves *

Está em voga a Pastoral dos Eventos. Estes se multiplicam de tal modo que é difícil encontrar lugar na agenda de não poucas lideranças de movimentos e pastorais sociais. Grandes encontros, seminários, assembléias, romarias vão se sobrepondo umas às outros no decorrer do ano.
Até aqui, nada de anormal. Do ponto de vista pessoal, os eventos são necessários para manter vida a chama do vigor profético e do entusiasmo; do ponto de vista sócio político, servem para dar maior visibilidade, e portanto maior incidência, à forças das organizações populares. Sem esses momentos fortes e significativos, as atividades rotineiras tendem a se diluírem, a se dispersarem e a se perderem e no anonimato e no esquecimento.


O problema se coloca quando tudo se reduz a meros eventos. De evento em evento, chega-se facilmente à pastoral dos espetáculos, dos shows ou do entretenimento. Nesta linha, não é difícil cair na armadilha da mídia, onde a notícia séria e reflexiva dá lugar à manchete sensacionalista. Mais que uma visão crítica, procura-se despertar sensações e emoções momentâneas. Não é raro que esse contexto da "sociedade do espetáculo" (Guy Debord) penetre e contamine as atividades sócio-pastorais com seus estridentes apelos publicitários.

Pior ainda é que a espetacularização da pastoral engendra, com freqüência, dois riscos interligados: primeiramente, um profissionalismo altamente nocivo, onde especialistas de grandes eventos muitas vezes decolam das bases e manifestam enorme dificuldade de aterrizar. Com isso, numerosos eventos são pensados e decididos em laboratório, caindo de cima para baixo e sobrecarregando o calendário das comunidades e movimentos. O resultado é que, enquanto os dirigentes tendem a alçar vôo, o dia-a-dia das lutas sociais se vê atropelado por campanhas, encontros, congressos, e assim por diante. Eventos esses não raro paralelos uns aos outros.

Em segundo lugar, há o risco de determinados movimento ou pastoral se converter em uma espécie de Organização não Governamental (ONG). Neste caso, a tendência é dar maior importância à estrutura da organização do que às reivindicações básicas dos setores mais necessitados da população. Ao invés de voltar-se para os anseios, lutas e sonhos desses setores, na configuração da ONG o que predomina, muitas vezes, é a manutenção efetiva da mesma.

O grande desafio, então, é estabelecer uma conexão fecunda entre a pastoral como um processo de reflexão, conscientização e ação, de um lado, e os eventos extraordinários, de outro. Na contramão dessa integração necessária, os eventos criam às vezes um ambiente tão grandioso e despertam expectativas tão elevadas que seus participantes, ao retornarem às bases, podem sentir-se desiludidos e desencantados. O exemplo da caminhada das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) pode servir de ilustração. Os agentes pastorais e lideranças, nos grandes encontros de CEBs, recebem um banho festivo e celebrativo de entusiasmo e estímulo. Mas, ao regressar ao dia-a-dia de sua comunidade particular, se deparam com frustrações uma atrás da outra. A discrepância entre evento e processo de organização pode levar ao desânimo, quanto não à elitização de uma minoria "consciente", frente a uma maioria "alienada".

Como diminuir o impacto desse descompasso entre o evento e a pastoral cotidiana? Por uma parte, é importante que as sombras e turbulências da caminhada, e não apenas as luzes, tenham espaço nos eventos. E sejam aí enfrentadas, avaliadas e celebradas na espiritualidade da cruz e ressurreição. A alegria do domingo de Páscoa mergulha suas raízes mais profundas no contraste com o absurdo e a loucura da sexta-feira santa. Na vida de cada pessoa, movimento ou pastoral, dores e esperanças, tristezas e alegrias se mesclam e se confundem.

Por outra parte, é igualmente imprescindível que o entusiasmo festivo dos eventos tenha repercussão no cotidiano árduo e difícil das organizações de base. Aqui também fracassos e vitórias se misturam e remetem ao mistério da morte e ressurreição de Jesus. A alegria dos discípulos de Emaús, (Lc 24, 13-35), por exemplo, após o encontro com o Ressuscitado, fermenta os passos lentos e pesados do processo de organização, mobilização e transformação sócio-política.

Se é verdade que a Páscoa é colheita; e a cruz, semente, podemos afirmar que nos dias atuais não estamos em tempo de colheita. Somos chamados a semear. E a acreditar na maturação da semente no seio úmido e escuro da terra, cientes de que a planta cresce primeiro para baixo, antes de crescer para cima. Busca fortalecer as raízes no terreno turbulento e contraditório da história, antes de buscar o sol, o ar livre e o céu aberto. E principalmente, sabendo que, em geral, os que semeiam não são os que colhem.


* Assessor das Pastorais Sociais.

terça-feira, 11 de maio de 2010

O presidente Lula recebe prêmio da ONU


O presidente Luiz recebeu hoje (10) prêmio concedido pelo Programa Alimentar Mundial (PMA), vinculado às Nações Unidas (ONU) em reconhecimento ao seu trabalho no combate à fome e à desnutrição infantil.

O título “Campeão do Mundo na Batalha Contra a Fome” foi entregue pela diretora Executiva do PMA da ONU, Josette Sheeran, durante a abertura da reunião Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, Combate à Fome e Desenvolvimento Rural, no Palácio do Itamaraty.

Na reunião, ministros e especialistas discutirão as alternativas para promover a segurança alimentar e o desenvolvimento rural, com o objetivo é fortalecer a cooperação entre o Brasil e África.

“Presidente, você deu o produto mais precioso para seu povo: esperança”, disse a representante da ONU em seu discurso. De acordo com Sheeran, 93% das crianças e 83% dos adultos brasileiros passaram a ter três refeições por dia, no governo Lula.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

''Os melhores anos da minha vida''. Entrevista com o cardeal Carlo Maria Martini


Nesta entrevista, o cardeal Carlo Maria Martini fala sobre as suas lembranças dos tempos do Concílio Vaticano II e os seus efeitos na Igreja de hoje.
A conversa foi publicada originalmente no apêndice ao livro "Difendere il Concilio", de A.M. Valli e L. Bettazzi (Ed. San Paolo, 2008), tendo sido republicada no sítio Viva il Concilio (www.vivailconcilio.it). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.
Eminência, qual é a sua lembrança dos anos do Concílio?
Guardo principalmente a lembrança da atmosfera daqueles anos, uma sensação de entusiasmo, de alegria e de abertura que nos invadia. Durante o Concílio, passei os melhores anos da minha vida, não só e nem tanto porque eu tinha menos de 40 anos, mas porque finalmente se saía de uma atmosfera que tinha um pouco de cheiro de mofo, viciada, e se abriam portas e janelas, circulava o ar puro, olhava-se para o diálogo com tantas outras realidades, e a Igreja parecia ser verdadeiramente capaz de enfrentar o mundo moderno. Tudo isso, repito, nos dava uma grande alegria e uma forte carga de entusiasmo.

Segundo o senhor, o que permanece hoje daqueles anos?
Permaneceram muitas coisas. Antes de tudo, é preciso dizer que aqueles que os viveram deram um passo importantíssimo nas suas vidas, porque receberam do Concílio uma confiança renovada nas possibilidades da Igreja de falar a todos. Depois, permanecem muitos elementos contidos nos vários documentos conciliares: penso na liturgia, no ecumenismo, no diálogo com as outras fés, na reflexão sobre a Escritura. Para a nossa Igreja, uma grande riqueza que mantém intacta toda a sua atualidade e todo o seu valor.

E, na sua opinião, o que se perdeu?
Não é fácil responder. Houve certamente um pouco de desvios, mas principalmente no exterior, na aqui entre nós, na Itália. Diria que o que se perdeu é justamente aquele entusiasmo, aquela confiança da qual falava, aquela capacidade de sonhar que o Concílio havia comunicado à nossa Igreja e que nos provocou tanta alegria. Voltamos um pouco às águas rasas, a uma certa mediocridade.

Alguns dizem que o Concílio foi marcado pelo contraste claro entre uma maioria progressista, chamemo-la assim, de bispos e teólogos, e a Cúria Romana que remava contra. O senhor compartilha dessa reconstrução?
Sim, penso que, com efeito, houve essa contraposição. Não se pode negar que, em certos setores da Cúria, havia uma força frenante. Mas isso é compreensível, porque a Cúria estava acostumada a fazer todos os decretos, a manter tudo nas mãos, e por isso pode-se entender bem que, para os curiais, ver esse controle fugir das mãos não foi agradável.

Eminência, qual é o personagem do Concílio que o senhor mais lembra?
Na verdade, há muitos. Gosto de me lembrar de Dom Helder Câmara, o arcebispo e teólogo brasileiro, falecido em 1999. Estou lendo justamente neste período as cartas que ele endereçava aos seus amigos no Brasil, escrevendo-lhes todas as noites às duas horas ("H. Camara, Roma, due del mattino. Lettere dal Concilio Vaticano II", editado por S. Biondo, Ed. San Paolo, 2008). Uma grande figura! E depois me lembro do cardeal belga Leo Jozef Suenens, o arcebispo de Malines-Bruxelas, que defendeu algumas teses muitos corajosas. Entre as pessoas que não participaram diretamente dos trabalhos do Concílio, mas que estiveram muito próximas daquela atmosfera de renovação, me lembro do padre jesuíta Stanislas Lyonnet, grande estudioso de São Paulo, que ensinava no Pontifício Instituto Bíblico e que tinha muitos contatos com os padres conciliares. Devo dizer que foi um tempo de grandes amizades alimentadas por um fortíssimo desejo de conhecimento.

E hoje um Concílio Vaticano III seria útil para a Igreja?
Não é fácil responder. Há prós e contras. A meu ver, certamente seria útil à Igreja fazer um Concílio a cada tanto para comparar as diversas linguagens. Eu sinto essa necessidade porque me parece que existe justamente uma dificuldade em se entender. Mas não acredito que deveria haver um Concílio como o Vaticano II, isto é, dedicado a todos os problemas da Igreja e das suas relações com o mundo. No centro de um eventual novo Concílio seria preciso colocar apenas um ou dois temas e depois, uma vez examinados e exauridos estes, convocar um outro Concílio depois de 10, 15 ano, centrando-o em poucas questões. Sim, penso que essa deveria ser a linha a se seguir.

E o senhor, que deu vida em Milão à Cátedra dos não crentes, pensa que se poderia pensar em um Concílio aberto a quem não crê, aos mais distantes, para lançar uma mensagem também a eles?
Não vejo um Concílio desse tipo. Porém, é certo que, quando um Concílio fala, ele fala também aos não crentes. Porque a preocupação do Concílio, de todo Concílio que seja verdadeiramente isso, deve ser a de se fazer entender e, portanto, de chegar verdadeiramente a todos, não só aos católicos. No Concílio Vaticano II, essa preocupação esteve bem presente e é um outro motivo pelo qual eu o lembro com alegria e gratidão.