sábado, 4 de setembro de 2010

A renovação da lista de delitos apresentada pela Congregação da Doutrina da Fé


Ivone Gebara, escritora, filósofa e teóloga, comenta o texto promulgado no dia 30 de abril de 2010 e assinado pelo Cardeal Levada, atual Presidente da Congregação da Doutrina da Fé, em artigo publicado por Adital, 03-09-2010.

Em julho deste ano, Igreja Católica publicou uma revisão do decreto "Sacramentum Sanctitatis Tutela", promulgado em 2001 por João Paulo II. Além de não enfrentar com a energia necessária os graves crimes de pedofilia cometidos por integrantes do clero, o documento ousa colocar a ordenação de mulheres na lista de "crimes mais graves" quanto às questões sacramentais. Católicas pelo Direito a Decidir publica a seguir -e como editorial- o artigo em que a teóloga brasileira Ivone Gebara manifesta seu repúdio a mais essa manobra de encobrimento dos abusos sexuais cometidos por padres e mais esse ataque contra as mulheres, promovido pelo Vaticano.

Eis o artigo.

Em diferentes partes do mundo, grupos de teólogas feministas e, sobretudo, grupos que lutam pela ordenação das mulheres têm se manifestado contra a junção num mesmo documento do delito da pedofilia e do "chamado" delito das mulheres que foram ordenadas ou daquelas que lutam pela ordenação presbiteral. Creio que os canonistas poderiam se defender contra os ataques das feministas em relação a essa lista de novos delitos contra a ortodoxia da Igreja Católica Romana alegando que já em outros documentos eclesiásticos essa condenação existia.

De fato, o que está nessa lista renovada sobre a ordenação das mulheres já estava presente no "Sacramentorum Sanctitatis Tutela", documento promulgado em abril de 2001 sob o Pontificado de João Paulo II, e no Código do Direito Canônico, cânon 1378. Portanto, a condenação não é nova. Da mesma forma, há nos documentos da Igreja penalidades contra os delitos sexuais, incluindo-se a pedofilia. Portanto, nesse particular também não há novidade.

Entretanto, vejo nesse momento a reafirmação pública da condenação da ordenação das mulheres colocada no mesmo texto das penalidades aos pedófilos clérigos, incluindo-se os que detêm patentes clericais uma questão de ordem ética gravíssima. Uma coisa é a transgressão de uma regra canônica em relação à divisão de funções na Igreja (a ordenação sacerdotal é inclusive permitida em outras igrejas cristãs) e outra coisa é o uso de crianças ou de menores como objetos de satisfação sexual. No Documento "Sacramentorum Sanctitatis Tutela" há um elenco de delitos contra todos os sacramentos.

Nessa "Renovação dos Delitos", propõe-se uma reafirmação da lista de delitos, mas esconde na realidade um outro grande delito. Este se refere ao temor de enfrentar a problemática da pedofilia nas instituições da Igreja, aliás uma questão eminentemente masculina. Tornando pública uma condenação contra as mulheres, a atenção em relação "ao clube dos good boys" e suas más ações fica desviada e dividida. Criam-se novas polêmicas e dilui-se o foco do problema.

Creio que, nesse momento, nossa posição como mulheres não deveria ser de defesa do direito à ordenação sacerdotal, mas fundamentalmente a de denunciar e repudiar o uso inapropriado dessa "velha" condenação para ocultar os velhos e atuais crimes da instituição. Esses crimes são em parte legitimados pela manutenção de uma leitura da tradição cristã que continua sendo hierárquica, dualista, sexista e prepotente. Temos que retomar o FOCO da questão atual: a pedofilia do clero como crime contra a humanidade. É esse grande e grave delito que está sendo julgado e condenado. E é em relação a ele que se exige das comunidades católicas e da sociedade uma tomada de posição clara e vigorosa, já que os hierarcas tentam de diferentes maneiras diminuir ou simplesmente não assumir a gravidade real problema.

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