terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Repensar... Recuperar...

Uma breve reflexão sobre a fala de Andrés Torres Queiruga em Evento Acadêmico celebrando os 25 anos da ESTEFCom estes dois verbos, Andrés Torres Queiruga proporcionou uma frutuosa reflexão teológica para a comunidade acadêmica ESTEF no evento comemorativo dos seus 25 anos.

Repensar tudo, eis a proposta... Repensar a Criação, a Ressurreição, a Reve-lação, a Teologia e, sobretudo, a nossa vida de cristãos e cristãs no século XXI. Re-pensar não para romper, mas para recuperar a essencialidade da mensagem evan-gélica para os tempos atuais.

Se for verdade que para muitos “pensar dói”, repensar torna-se tarefa ainda mais penosa, ainda que urgente, porque significa trabalhar sobre algo já pensado e muitas vezes estabelecido como “verdade absoluta” e, junto disso, desvendar os desdobramentos que muitas vezes damos a esta verdade.

Pessoalmente, vejo como maior desafio, recuperar a imagem de Deus. Quem é mesmo Deus? Deus é muito mais do que “um espírito puro criador do céu e da ter-ra”, ou ainda o Deus “altíssimo e poderoso”, proclamado com tanta ênfase em nos-sas liturgias, ou ainda pior, alguém que tem de ser o chefe, ter o mando. Poder, au-toridade, comando, qualidades atribuídas comumente a Deus não são as mais im-portantes; pelo contrário, a relação servo-senhor é expressamente criticada, pois, ao longo da história, serviu para justificar o domínio de umas pessoas sobre as outras, sobretudo, o domínio dos homens sobre as mulheres. A fé em Deus deveria desper-tar um sentimento de ser um com o todo, um sentimento de solidariedade, não de submissão. Pessoas deveriam adorar a Deus não por causa do seu poder e/ou do-mínio, mas por descobrirem o seu amor. Algumas pessoas preferem manter uma imagem infantil de Deus para não ter que assumir suas responsabilidades como fi-lhos e filhas de um Deus que em sua essência é amor, preferem, então, ser telegui-ados a tornar-se amig@s de Deus. Continuar submiss@s e dependentes parece, de certa forma, mais confortável... A pergunta que me faço é: por quê? Por que não as-sumir o Deus que em Jesus se mostra salvação incondicional, que quer homens e mulheres livres e autônomos, realizados em sua frágil humanidade? Deus está pre-sente em nossa vida unicamente como salvador/libertador. Deus não nos criou ape-nas para que o sirvamos. Ele não teria “servidores”. Deus não nos fez somente para sua glória. Deus é perfeito, não pediria algo assim para seus filhos e filhas. Deus nos fez unicamente para nos dar gratuitamente a realização plena, a felicidade. Deus AMA (Cf. 1Jo – Deus é amor). Deus consiste em estar amando.

Tal Verdade, e esta sim com “V” maiúsculo, pode nos incomodar, porque res-ponder livremente ao amor é tarefa sempre mais exigente. É mais fácil obedecer a regras e mandamentos, do que nos desacomodarmos e empenhar-nos para fazer brilhar a luz de Deus-Amor, dando-lhe a única Glória que lhe interessa: colaborar com o seu projeto de amor, assumir a causa do Reino, contribuir para um mundo mais justo e fraterno onde todas as pessoas, independente de raça, credo, etnia, opção sexual vivam digna e plenamente. Ajudar a humanidade a ser mais feliz com gestos concretos de amor, eis a vontade do Deus-amor. “A glória de Deus é que os seres humanos vivam.”

Um desdobramento interessante nesta perspectiva é que tudo o que eu faço é santo e tem valor, aqui eu sou o que faço e faço porque sou, não há a dicotomia entre ser e fazer. Toda construção de identidades está intimamente vinculada com as ações, com as práticas, que sempre se dão no tempo, são históricas. Deus que nos cria para o amor, para a felicidade, nos cria inteir@s. Nessa dinâmica, é tão santo comer como rezar ou participar de uma caminhada pela terra, pela ética na política, pela questão indígena, ecológica, pelo movimento de mulheres, homossexuais... enfim, tudo o que fazemos é santo se estamos integrados no dinamismo de Deus. É obvio que isso não quer dizer que tudo tem o mesmo valor, pois é diferente dizer “esta pessoa vive para comer” e dizer “esta pessoa vive para a justiça”. No entanto, a verdade inquestionável é: “quanto mais humanos, mais divinos!”

Acolher tal perspectiva é tornar-nos mais adultos na fé, libert@s e libertad@res. É acreditar que Deus cria o mundo com amor, está conosco e continua contando conosco para atuar com Ele contra as injustiças, continua contando com cada um/uma para diminuir o mal no mundo. Não podemos vencer completamente o mal, mas podemos dar passos na redução do mal, podemos fazer muito para aliviar o sofrimento.“Doar um copo de água por amor, é pouca coisa, mas doado no Senhor, o pouco de muitos se transforma em abundância e junt@s irradiaremos esperança.” (cf. Mt 10,42; Mc 9,41) E ainda Jesus em Mt 25: “Os justos perguntarão: Quando foi que Te vimos...?” Ele responderá: Quando lutaram contra o mal. Único mandamento: Amar a Deus e ao próximo. Amar será hoje e sempre lutar contra o mal fazendo o bem para todas as pessoas.

Liberdade, coragem e valentia são critérios necessários para recuperar a ver-dadeira imagem de Deus. O Deus Pai/Mãe Criador, em Jesus Cristo salvador e re-dentor, e no Espírito vivificador, fonte de vida, de comunhão e de ternura eterna. O Deus Trindade que nos dá a esperança de que a morte e o mal não têm a última pa-lavra na história, e sim que a última palavra é a vida, o amor, a fé no Deus da vida. Tal postura de fé nos possibilitará repensar conceitos e adequá-los criativamente ao nosso tempo.

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