sábado, 12 de março de 2011

Manifesto dos teólogos alemães, suíços e austríacos

Teólogos alemães, suíços e austríacos publicaram, no dia 03-02-2011, no jornal alemão Süddeutsche Zeitung, um manifesto que teve ampla repercussão na imprensa mundial.

Igreja 2011: uma virada necessária
Passou-se quase um ano desde que foram tornados públicos casos de abusos sexuais com crianças e adolescentes da parte de padres no colégio Canisius de Berlim. Seguiu-se um ano que lançou a Igreja católica na Alemanha numa crise sem precedentes. A imagem que hoje aparece é ambivalente: começou-se a fazer muito para garantir justiça às vítimas, enfrentar a injustiça e descobrir as causas dos abusos, a dissimulação e a dupla moral nas próprias fileiras. Em muitos cristãos e cristãs responsáveis, com ou sem encargos, após a perturbação inicial cresceu a convicção de que são necessárias profundas reformas. O apelo a um diálogo aberto sobre as estruturas de poder e de comunicação, sobre a forma do ministério eclesial e a participação responsável dos fiéis, sobre a moral e sobre a sexualidade despertou expectativas, mas também temores: joga-se fora uma oportunidade, talvez a última, de superação da paralisia e da resignação, evitando enfrentar os problemas ou subvalorizando a crise? A preocupação por um diálogo aberto sem tabus, não é para todos suspeito, e em particular não o é, se é iminente uma visita do papa. Mas, a alternativa seria um silêncio sepulcral, porque as últimas esperanças têm sido destruídas e simplesmente não pode ser assim.
A profunda crise da nossa Igreja exige discutir também sobre aqueles problemas que à primeira vista não têm relação direta com o escândalo dos abusos e com sua plurianual cobertura. Como professores e professoras de teologia não podemos mais calar. Sentimos a responsabilidade de contribuir para um autêntico novo início: 2011 deve tornar-se um ano de virada e reconversão para a Igreja. No ano passado tantos cristãos, o que jamais ocorrera antes, deixaram a Igreja católica e apresentaram à autoridade da Igreja a desistência de sua pertença ou privatizaram sua vida de fé para defendê-la da instituição. A Igreja deve entender estes sinais, para sair ela mesma de certas estruturas fossilizadas e para reconquistar nova força vital e credibilidade.
Não se conseguirá promover a renovação das estruturas eclesiais num angustiado isolamento da sociedade, mas somente com a coragem da autocrítica e com a acolhida de impulsos críticos – também do exterior. Isto faz parte das lições do último ano: a crise dos abusos não teria sido reelaborada de modo tão decidido sem o acompanhamento crítico desenvolvido pela opinião pública. Somente através de uma comunicação aberta a Igreja pode reconquistar confiança. Somente se a imagem que a Igreja tem de si e a imagem de Igreja que os outros têm dela não divergirem, ela terá credibilidade. Dirigimo-nos a todos aqueles que ainda não renunciaram a esperar por um novo início na Igreja e se empenham neste sentido. Assumimos como nossos também os sinais de virada e de diálogo que alguns bispos propuseram nestes últimos meses em discursos, pregações e entrevistas.
A Igreja não é um fim em si mesma. Ela tem a missão de anunciar a todos os homens o Deus de Jesus Cristo que liberta e que ama. Ela só pode fazê-lo se ela própria for um lugar de um testemunho fidedigno do anúncio de liberdade do Evangelho. Seu falar e seu agir, suas regras e suas estruturas – toda a sua relação com os homens no interior e no exterior da Igreja – derivam da exigência de reconhecer e favorecer a liberdade dos humanos enquanto criaturas de Deus. Absoluto respeito de cada pessoa humana, atenção à liberdade de consciência, empenho pelo direito e pela justiça, solidariedade com os pobres e os oprimidos: são estes os parâmetros teológicos fundamentais, que derivam do empenho da Igreja pelo Evangelho. Deste modo se concretiza o amor a Deus e ao próximo.
A orientação para o anúncio público de liberdade implica uma relação diferenciada perante a sociedade moderna: de certo ponto de vista, ela é mais profunda em relação à Igreja, quando se trata do reconhecimento de liberdade, de maturidade e de responsabilidade; nisto a Igreja pode aprender, como já o sublinhara o Concílio Vaticano II. Sob outro ponto de vista, é inelutável a crítica que deriva do espírito evangélico perante esta sociedade, por exemplo, quando as pessoas são julgadas somente segundo suas prestações, quando a solidariedade recíproca for espezinhada ou quando a dignidade dos seres humanos não for reconhecida.
No entanto, vale em todo o caso o que segue: o anúncio de liberdade do Evangelho constitui o parâmetro para uma Igreja fidedigna, para seu agir e sua imagem social. Os desafios concretos com que a Igreja deve confrontar-se não são, de fato, novos. E, no entanto, não são visíveis reformas que considerem o futuro. É necessário levar em frente um diálogo aberto sobre isto nos seguintes âmbitos de problematicidade:
1.- Estruturas de participação: em todos os campos da vida eclesial a participação dos fiéis é a pedra de toque para a credibilidade do anúncio de liberdade do Evangelho. Conforme o antigo princípio jurídico: “O que diz respeito a todos, deve ser decidido por todos” são indispensáveis mais estruturas sinodais em todos os níveis da Igreja. Os fiéis devem ser tornados participantes na escolha de importantes “representantes oficiais” (bispos, párocos). O que pode ser decidido localmente deve ali ser decidido, e as decisões devem ser transparentes.
2.- Comunidades: as comunidades cristãs devem ser lugares nos quais as pessoas compartilhem bens espirituais e materiais. Mas, atualmente a vida comunitária está em declínio. Sob a pressão da falta de padres são construídas unidades administrativas sempre maiores – “paróquias extra-amplas” -, nas quais quase não podem ser vivenciadas a vizinhança e a pertença. É posto fim a identidades históricas e a redes sociais particularmente significativas. Os padres são “queimados” [pelo excesso de tarefas] e acabam se exaurindo. Os fiéis permanecem distantes se não lhes for dada a confiança de assumirem uma corresponsabilidade e de sentirem-se partícipes em estruturas democráticas na direção de suas comunidades. O ministério eclesial deve servir à vida de suas comunidades – e não o contrário. A Igreja também necessita de padres casados e de mulheres em serviço eclesial.
3.- Cultura do direito: o reconhecimento de dignidade e liberdade de todo ser humano mostra-se precisamente quando os conflitos são enfrentados de modo equânime e com respeito recíproco. O direito eclesial só merece este nome se os fiéis puderem fazer valer efetivamente os seus direitos. A defesa do direito e a cultura do direito na Igreja devem ser urgentemente melhoradas; e um primeiro passo nesta direção é a criação de uma jurisdição administrativa eclesial.
4.- Liberdade de consciência. Respeito pela consciência individual significa confiar na capacidade de decisão e de responsabilidade das pessoas. Favorecer e desenvolver esta capacidade é também tarefa da Igreja – mas, não deve transformar-se em personalismo. Reconhecer seriamente a liberdade de consciência é algo que tem a ver com o âmbito das decisões pessoais sobre a vida e o das formas de vida individual. A alta consideração da Igreja pelo matrimônio e pela forma de vida sem matrimônio está fora de discussão. Mas, ela não impõe que se excluam as pessoas que vivem responsavelmente o amor, a fidelidade e o cuidado recíproco numa união homossexual, ou como divorciados redesposados.
5.- Reconciliação: a solidariedade com os pecadores pressupõe que se leve a sério o pecado no próprio interior. Um pretensioso rigorismo moral não é adequado à Igreja. A Igreja não pode pregar reconciliação com Deus sem procurar ela própria no seu agir os pressupostos para a reconciliação com aqueles em relação aos quais se tornou culpada por violência, por violação do direito, pela inversão do anúncio bíblico de liberdade, numa moral rigorosa privada de misericórdia.
6.- Celebração: a liturgia viva da participação ativa de todos os fiéis. Nela devem encontrar espaço as experiências e as formas atuais de expressão. A celebração não deve enrijecer-se num tradicionalismo. A multiplicidade cultural enriquece a vida litúrgica e não pode conciliar-se com as tendências por uma unificação centralista. Somente quando a celebração da fé acolher situações concretas de vida o anúncio da Igreja atingirá as pessoas.
O processo de diálogo eclesial iniciado só pode conduzir à libertação e à mudança se todas as partes envolvidas estiveram prontas para enfrentar os problemas impulsores. Trata-se de procurar, numa livre e equânime mudança de argumentações, as soluções que conduzam a Igreja para fora de sua paralisante auto-referencialidade. À tempestade do ano passado não pode seguir nenhuma paz! Na atual situação ela só poderia ser uma paz sepulcral. O medo jamais foi bom conselheiro em tempos de crise. Cristãos e cristãs, sejamos exortados pelo Evangelho a olhar com coragem para o futuro e – movidos pela palavra de Jesus – a caminhar como Pedro sobre as águas: “Por que tendes medo? É tão pequena a vossa fé?”
Os subscritores (143 até 3 de fevereiro):

Nenhum comentário:

Postar um comentário