segunda-feira, 28 de junho de 2010

Paz e diálogo em um mundo de conflitos


As práticas educativas que visam à construção da paz devem ter, na infância e na juventude, o seu principal foco de atuação. A abertura de espaços de diálogo, de expressão, de reconhecimento de sua identidade e de solução pacífica de conflitos adquire, nesse sentido, um caráter de urgência...

"Somente a pura violência é muda".
(Hannah Arendt)

Sabe-se que a juventude brasileira, imersa num sistema social fortemente marcado por uma cultura de violência é, ao mesmo tempo, a maior vítima e algoz de atos violentos. Por causa disso, as práticas educativas que visam à construção da paz devem ter, nessa juventude, o seu principal foco de atuação. A abertura de espaços de diálogo, de expressão, de reconhecimento de sua identidade e de solução pacífica de conflitos adquire, nesse sentido, um caráter de urgência...
1. A resolução não-violenta de conflitos
Vivemos numa sociedade que espera que de um conflito saia sempre um ganhador e um perdedor, onde a meta é vencer sempre o adversário, custe o que custar. É o esquema vitória-derrota ou ganha-perde, característica da ideologia da “competitividade” neoliberal. Temos uma inclinação muito forte a encobrir os conflitos ou passar por cima deles. A imagem do “bom” educador é daquele que protege seus filhos das dificuldades do conflito. Por isso tornou-se um costume não encarar os conflitos, deixando assim as pessoas totalmente despreparadas para lidarem com eles.
A resolução não-violenta de conflitos contrapõe-se, em primeiro lugar, à fuga do conflito. Também se distingue de resoluções mediadas por todas as formas de violência, como a guerra, sanções unilaterais, etc. - numa nítida distinção, muitas vezes não traduzida no senso comum, entre violência e conflito. A característica fundamental deste processo é a participação das partes envolvidas, como sujeitos competentes, mediante o uso da ação comunicativa, embora possa ser feita de forma direta ou indireta.
Portanto, a resolução não-violenta não é encobrir ou fugir do conflito. Não é buscar a resignação ou a submissão de uma das partes. Não é sequer a renúncia dos verdadeiros sentimentos, opiniões ou emoções. É diferente da arbitragem de conflitos a qual emprega a autoridade ou o poder para impor uma solução de cima para baixo ou para manter a situação atual. O que nem sempre resolve os conflitos. Pelo contrário, a resolução não-violenta do conflito busca uma compreensão e uma aplicação correta da democracia, que estimula a responsabilidade social e a resposta criativa à mudança.
O objetivo da resolução não-violenta de conflitos é ajudar para que as pessoas deixem de ser peças de um conflito para serem sujeitos ativos na solução do mesmo. O que se busca com a resolução não-violenta é o resgate de cada pessoa envolvida, como alguém capaz de fazer acordos, estabelecer pontes, enfim, compreender. A meta, pois, é construir uma saída para o conflito onde as partes envolvidas sejam beneficiadas, chegando a um resultado chamado de “vitória-vitória” ou “ganha-ganha”.
Desse modo o conflito deixa de ser encarado como o oposto da paz para ser visto como um dos modos de promovê-la através dos benefícios que o próprio conflito pode gerar. Entre os benefícios do conflito, citamos o estímulo do pensamento crítico e criativo, uma melhor capacidade de tomar decisões, a busca por diferentes formas de encarar problemas e situações, melhora nos relacionamentos e na apreciação das diferenças, além de promover a autoconhecimento.
2. Importância da tolerância na resolução de conflitos
A paz, no espírito e no coração das pessoas, pressupõe a capacidade de aceitar a diversidade, isto é, a tolerância uma vez que a intolerância origina-se da crença de que seu próprio modo de vida é superior ao dos outros. A intolerância é um sintoma que pode acarretar uma perigosa doença social: a violência. A violência é uma patologia que requer a mobilização de todos os esforços possíveis para proteger a saúde e o bem-estar da sociedade em geral e de daqueles que mais a sofrem, como é o caso dos jovens brasileiros.
A atual cultura de violência baseia-se em desconfiança, intolerância e ódio; na incapacidade de interagir construtivamente com todos aqueles que são diferentes. Para fazer frente a isso, é preciso desenvolver uma cultura da paz baseada na não-violência, na tolerância, na compreensão mútua, na solidariedade e na capacidade de resolver conflitos de modo pacífico e no diálogo.
3. Peça chave: o diálogo
A violência, em muitos dos casos, geralmente está associada à in-comunicação, ao não reconhecimento do outro diferente como sujeito digno de reconhecimento. Por isso, segundo Jean-Marie Muller, “muitas vezes a violência dos oprimidos é mais um meio d expressão do que um meio de ação. Não é tanto a procura de uma eficácia como a reivindicação de uma identidade. Ela é o meio de se fazer reconhecer para aqueles cuja existência permanece não só desconhecida, como não reconhecida. A violência é então o meio de se revoltar contra esse não-reconhecimento. É o último meio de expressão daqueles que a sociedade privou de todos os meios de expressão. Uma vez que não tiveram a possibilidade de se comunicar por meio da palavra, tentaram exprimir-se por meio da violência. Esta substitui a palavra que lhes é recusada. A violência quer ser uma linguagem e exprime, em primeiro lugar, um sofrimento; é então um sinal de angústia que deve ser decifrado como tal pelos outros membros da sociedade” (MULLER, 1995, p. 34).
Portanto, educar para a paz é antes, de tudo, desenvolver nas pessoas a sua competência comunicativa; quer dizer, ajudá-las a recuperarem a capacidade que elas têm de falar e agir e de, através do diálogo, superar obstáculos e estabelecer pontes, revelando-se assim, cada vez mais, sujeitos. Nesse sentido, Lévinas afirma que “a linguagem é o ato do homem racional que renuncia à violência para entrar em relação ao outro” (LÉVINAS, 1990, p. 21). Quer dizer que o exercício do diálogo é o próprio acontecer da paz.
Sendo assim, o diálogo torna-se a peça-chave da resolução de conflitos.
4. “Novos” caminhos na resolução de conflitos
Infelizmente no contexto brasileiro além da mediação de conflitos, outros instrumentos de resolução de conflitos são ainda pouco conhecidos. Entre aqueles que têm no diálogo a sua principal ferramenta, destacam-se dois: a comunicação não-violenta e os círculos de justiça restaurativa.
A comunicação não-violenta (CNV) se baseia em habilidades de linguagem e comunicação que fortalecem a capacidade de continuarmos humanos, mesmo em condições adversas. Um dos grandes sistematizadores dessa técnica ou processo é Marshall B. Rosenberg. A comunicação não-violenta é um processo que “nos ajuda a reformular a maneira pela qual nos expressamos e ouvimos os outros. Nossas palavras, em vez de serem reações repetitivas e automáticas, tornam-se respostas conscientes, firmemente baseadas na consciência do que esta¬mos percebendo, sentindo e desejando. Somos levados a nos expressar com honestidade e clareza, ao mesmo tempo que da¬mos aos outros uma atenção respeitosa e empática. Em toda troca, acabamos escutando nossas necessidades mais profun¬das e as dos outros. A cnv nos ensina a observarmos cuidado¬samente (e sermos capazes de identificar) os comportamentos e as condições que estão nos afetando. Aprendemos a identifi¬car e a articular claramente o que de fato desejamos em de¬terminada situação. A forma é simples, mas profundamente transformadora” (ROSENBERG, 2006, p. 15).
Resumidamente, o processo da CNV consta de quatro passos: as ações concretas que estamos observando e que afetam nosso bem-estar; como nos sentimos em relação ao que estamos observando; as necessidades, valores, desejos etc. que estão gerando nos-sos sentimentos; as ações concretas que pedimos para enriquecer nossa vida. Ao usarmos este processo, podemos começar expressando ou então recebendo com empatia essas quatro informações dos outros.
A CNV se adapta a várias situações e estilos pessoais e culturais e se aplica de maneira eficaz a todos os níveis de comunicação e a diversas situações: relacionamentos intimos; famílias; escolas; organizações e instituições; terapia e aconselhamento; negociações diplomáticas e comerciais; disputas e conflitos de toda natureza. Hoje, em todo mundo, a CNV serve como recurso valioso para comunidades que enfrentam conflitos violentos ou graves tensões de natureza étnica, religiosa ou política.
Por outro lado, a justiça restaurativa, aplicada mais no âmbito judiciário, está sendo redescoberta no Brasil como uma forma de resolução de conflitos de forma colaborativa. A justiça restaurativa, ao abordar de forma colaborativa o crime e as transgressões à lei, possibilita um referencial paradigmático na humanização e pacificação das relações sociais envolvidas num conflito. Como a violência e a criminalidade estão normalmente associadas a relações conflitivas que evoluem de forma descontrolada, as denominadas práticas restaurativas – soluções de composição informal de conflitos inspiradas nos princípios da justiça restaurativa – têm passado a representar um poderoso instrumento de construção da cultura de paz. Práticas restaurativas proporcionam, àqueles que foram prejudicados por um incidente, a oportunidade de reunir-se para expressar seus sentimentos, descrever como foram afetados e desenvolver um plano para reparar os danos ou evitar que o prejuízo aconteça de novo. Essa abordagem restaurativa, que se auxilia, por sua vez, de técnicas da CNV, ao contrário de processos judiciários meramente punitivos, é reintegradora e permite que o transgressor repare danos e não seja mais visto como tal. No processo, trata-se, efetivamente, de suprir as necessidades emocionais e matérias das vítimas e, ao mesmo tempo, fazer com que o infrator assuma responsabilidade por seus atos, mediante compromissos concretos.
Atualmente, existem no Brasil vários projetos-pilotos de práticas de justiça restaurativa, entre os quais se destaca “Justiça para o Século 21” (www.justica21.org.br).

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